A 5 de Outubro de 1910 é declarada na varanda da câmara municipal de Lisboa a Implantação da República. Entre muitos avanços a nível de direitos dos trabalhadores e ao nível dos direitos políticos (o direito ao voto foi implantado, embora só para “chefes de família”), os primeiros anos da república portuguesa garantiram a separação entre o estado e a igreja católica.
Apesar dos retrocessos resultantes da ditadura de Salazar e da sua cumplicidade com os altos poderes religiosos, o 25 de Abril (e a constituição de 1975) proclamaram esse princípio fundador da república do estado independente de qualquer confissão religiosa.
Passemos agora para 2009. Pela primeira vez o chefe máximo de uma das grandes religiões do mundo marca uma visita a Portugal : o Dalai Lama. Como chefe de estado do Tibete foi (e bem) recebido quer pelo Presidente da República, Cavaco Silva, quer pelo PM José Sócrates. Não foi dada nenhuma tolerância de ponto a nenhuma dos poucos milhares de pessoas que professam o budismo tibetano em Portugal.
Em contraste, discute-se hoje a decisão de um governo eleito de poder dar tolerância de ponto aos funcionários públicos para a visita do chefe da igreja católica, Papa Francisco, a Portugal. Se esta diferença de tratamento não é a marca de um claro favorecimento à igreja católica e uma flecha atirada ao coração do estado laico , o que será?
Poder-se-á contrapor que esta diferença é justificada pela diferença gigante de crentes católicos e budistas em Portugal, e por isso, é normal o estado dar tolerância do ponto quando se realiza uma festividade que diz respeito há grande maioria das pessoas que vivem em Portugal. Aceitaria esse argumento se o mesmo estado não se tivesse abstido de dar a mesma tolerância de ponto a 11 de julho de 2016, quando a seleção portuguesa de futebol acabara de vencer o campeonato da Europa .
O estado esteve mal, digamo-lo sem medos.