A analogia do “Estado Gordo” tornou-se tão popular que é raro ouvir um comentador económico que não a use. Há quem argumente que analogia é errada, porque não é possível determinar ao certo qual o nível de “gordura” que marca a diferença entre um Estado obeso e um Estado com o peso certo. Aqui quero argumentar que a analogia é correcta, dado que temos indiscutivelmente um nível elevado de dívida pública. Usando a analogia para pensar na cura para a obesidade, contudo, vemos como as curas dadas pelos ex-Ministros das Finanças nomeados comentadores económicos apenas pode agravar o problema.
Imagine-se uma nutricionista que ainda não compreendeu a diferença, já muito estudada, entre gorduras boas e as gorduras más, tratando as gorduras saturadas, não saturadas e hidrogenadas todas da mesma forma. Surge no seu consultório um paciente claramente obeso procurando conselhos dietéticos para perder peso. A nutricionista irá então receitar uma solução simples: cortar em 20% a ingestão de gorduras de qualquer tipo. O paciente segue o conselho e passa a alimentar-se com base em produtos com baixo teor de gorduras. Como resultado, fica com sérios problemas de saúde, por não estar a ingerir gorduras boas em quantidade suficiente, e passa uma fome negra. À primeira oportunidade, o paciente irá empanturrar-se com o que conseguir encontrar à frente para comer. No fim, o paciente estará ainda mais obeso que no início e com uma saúde deteriorada.
Sigamos a analogia para o Estado então. A ideia de que uma dieta rigorosa implementada de um dia para o outro já é quase consensual entre os economistas austeritários, muito embora daí não decorra uma crítica às políticas do governo PSD-PP. Mas a noção, ainda mais elementar, de que há despesa boa e despesa má parece ainda não ter entrado na cabeça destes economistas. A situação atinge o cúmulo do ridículo quando há economistas, como Pedro Pita Barros, que vêem no despesismo corrupto e aldrabão de Alberto João Jardim a consequência de não se seguir políticas de austeridade1.
Para os economistas austeritários, é igual investir em mais auto-estradas ou na reabilitação da ferrovia. Não há diferença entre a despesa numa parceria público-privado que distribui rendas a grandes grupos económicos e a despesa inerente ao subsídio de desemprego e outras prestações sociais que garantem a sobrevivência dos marginalizados pelo mercado. Não há qualquer diferença até entre o aumento da despesa que advém do desvio de dinheiros públicos ou o aumento da despesa provocado por políticas contra-cíclicas, que amorteçam o impacto de uma recessão.
Estes economistas não são capazes de ver a diferença entre o investimento em negócios rentistas que nada produzem e apenas servem para enriquecer ainda mais os ricos e o investimento em medidas que estimulem a economia e melhorem as condições de vida das pessoas. Em suma, não distinguem o investimento inútil, com fraco (ou nulo) efeito multiplicador, e o investimento útil, com forte efeito multiplicador, e assim podem usar exemplos do primeiro como “prova” de que o segundo não existe.
Fosse a Economia como o nutricionismo e os economistas austeritários seriam relegados ao esquecimento. Mas, infelizmente, é essa a diferença entre a Economia e as outras áreas do saber: na Economia, o facto de uma medida não funcionar depois de aplicada inúmeras vezes não implica que deixe de haver quem a defende. O que não é surpreendente, dado que defender políticas ineficazes parece ser a forma mais rápida de ascender para um ministério e daí para o assento nos conselhos de administração das grandes empresas e para a produção de ideologia no comentário mediático e no ensino de Economia.
1 Ver http://wp.me/p172W9-kW.
