Desmentir Juppé

porJoão Teixeira Lopes

13 de janeiro 2012 - 0:45
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Importa desmentir o ministro dos negócios estrangeiros francês Alain Juppé quando elogiava a branda passividade dos portugueses perante este frenesim de medidas recessivas.

Nada é linear em política. Se a Direita esperava uma travessia sem tormenta no seu plano estratégico de destruição dos direitos sociais e de instauração do mais selvático estado de capitalismo financeiro desregrado, enganou-se. A sentença sobre a nulidade dos cortes salariais nos CTT; a dificuldade em implementar de supetão a meia hora de trabalho semanal; a visibilidade das ligações entre o PSD, o PS e a Maçonaria; a fanfarra e o escândalo das nomeações para a Caixa Geral de Depósitos, a EDP e as Águas de Portugal, entre outros, mostram os obstáculos à orgia liberal do PSD/CDS (e convém insistir na corresponsabilização deste último, escondido que está no porte diplomático de Paulo Portas e nas supostas divergências com o rumo do Governo que vão saindo na comunicação social).

O mais flagrante desmentido das promessas do Governo encontra-se na realidade dos factos: o rendimento das famílias cairá mais de 10%; as desigualdades e a pobreza estão a aumentar vertiginosamente porque, dizem os estudos da Comissão Europeia, as medidas de austeridade alimentam-se dos mais pobres e o desemprego crescerá para níveis nunca vistos (mais de 116 mil empregos vão desaparecer este ano). Além do mais, a austeridade revela-se insaciável: nos primeiros dias de 2012 sabe-se já que um orçamento retificativo é inevitável e todos percebemos que vêm aí mais cortes. A afirmação de que 2012 é o ano de preparação da retoma surge hoje como anedota trágica, desmentida pelo mais que provável prolongamento da recessão em 2013.

Por isso, hoje mais do que nunca importa desmentir o ministro dos negócios estrangeiros francês Alain Juppé quando elogiava a branda passividade dos portugueses perante este frenesim de medidas recessivas. É difícil: em tempos de violência social medra o medo, a desconfiança e o retraimento. Exige-se, pois, coordenação e vigor nas lutas e, acima de tudo, abertura a todos os setores sociais descontentes e não qualquer tentação de fechamento sectário – desafio que o próximo congresso da CGTP enfrentará.

João Teixeira Lopes
Sobre o/a autor(a)

João Teixeira Lopes

Sociólogo, professor universitário. Doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação, coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.
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