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A cultura num país em que a gente da cultura sempre viveu mal

É urgente uma política cultural pública alicerçada em critérios de qualidade, com processos burocráticos simplificados que permitam o acesso a todos e todas que trabalham na área da cultura.

Desde que me entendo como gente a cultura fez parte da minha vida. Do meu tio-avô e do meu avô herdei o gosto pelas artes visuais, da minha mãe o amor pelos livros e do meu pai veio a minha relação com o teatro e música.

Ainda muita criança dizia que queria ser pintora (acabei por ser) o que provocava nos adultos esgares de tristeza, eles sabiam que esta escolha ia condicionar toda a minha vida e me ia colocar numa posição frágil e numa vida de sacrifício.

Com pouco mais de catorze anos ofereci-me para colaborar no Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI) em troca de poder ver todas as peças de borla; aos quinze fui estudar composição musical, quando chegou a altura de optar nos meus estudos escolhi a área das artes; aos dezassete, com alguns outros jovens apaixonados por teatro, fundámos a companhia de teatro mais jovem a nível etário do país e muitas outras coisas se seguiram.

Por um curto período fui apenas artista plástica, mas a regras do mercado sufocavam a minha criatividade e por isso voltei a fazer coisas várias em troca de algum dinheiro e da minha liberdade criativa, sempre de forma precária, sempre de passagem.

A minha relação com a cultura levou-me para o ensino artístico nos tempos em que as coisas iam de mal a pior e um dia, em conjunto com os meus camaradas, pintei uma faixa com a seguinte mensagem: “sem arte, sem cultura, sem futuro”, mal acolhida por muitos.

Da história e da vida apreendi que certos políticos nos veem como gente perigosa (gente que pensa é sempre perigosa) e sempre trataram de nos manter com rédea curta sob o jugo da decisão final da atribuição de um reduzido apoio ou da aquisição de uma obra. Do lado dos que trabalham na cultura senti como é estar na posição mais frágil, dependente de quem gostaria de nos silenciar.

Hoje, o resultado da falta de investimento na cultura e na educação cultural está a dar frutos e eu estou sem palavras porque a dor me tolhe.

A cultura tenta resistir e reinventar formas de chegar ao público, mas o dinheiro para pagar as contas de quem está a tentar produzir as coisas que são partilhadas nas redes sociais não chega para pagar as contas porque a gente da cultura come, paga renda, água e luz como a outra gente e, na sua maioria, não faz parte de estruturas profissionais.

Exigir que o Orçamento preveja 1% para a cultura é da maior justiça, mas o problema da cultura em Portugal é mais profundo e provavelmente esse ato isolado não será suficiente. É urgente uma política cultural pública alicerçada em critérios de qualidade, com processos burocráticos simplificados que permitam o acesso a todos e todas que trabalham na área da cultura.

A cultura tenta resistir e reinventa novas formas de chegar ao público. Mas falha na capacidade económica de quem está a produzir o muito que partilha nas redes sociais, não auferindo proventos que possibilitem enfrentar necessidades básicas.

Poucas vezes falo de cultura, é verdade, mas é apenas porque há tanto para dizer que nem sei por onde começar. Não me deveria demitir de o fazer, têm razão. A verdade é que a cultura está a morrer e sem cultura não existe país e não vão ser pensos rápidos que a vão salvar!

Sobre o/a autor(a)

Artista plástica e investigadora. Membro da distrital do Porto do Bloco de Esquerda
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