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Corrupção. Quem receia o inquérito?

Manuel Pinho é a maçã podre do cesto, onde as restantes peças de fruta estão sãs, ou é a ponta do icebergue de um esquema de negociatas construído em cima de legislação feita à medida dos lucros da EDP?

Manuel Pinho é acusado de ter recebido quase 15 mil euros por mês do saco azul do Grupo Espírito Santo (GES) enquanto exercia as funções de ministro da Economia do governo liderado por José Sócrates. No total, terão sido mais de dois milhões de euros que voaram das contas offshore do GES para os offshores de Manuel Pinho.

O que diria se essa acusação pesasse sobre si? Qual era a primeira resposta que daria se não fosse verdade? Teria pressa em esclarecer o que aconteceu se a explicação fosse simples e absolutamente legal? Imagino as respostas que qualquer pessoa sensata daria a cada uma destas perguntas - rapidamente procurariam esclarecer o assunto.

Contudo, Manuel Pinho não é uma pessoa qualquer, está-se a ver. Perante tamanhas acusações, a resposta do ex-ministro da Economia foi a de estar indisponível para qualquer esclarecimento. O segredo de justiça serve de biombo para evitar as explicações mais elementares. Calou-se Manuel Pinho, falou o seu advogado: "A minha posição (...) é a de que [o ex-ministro] tem direito a permanecer em silêncio e, enquanto não for ouvido [pelo Ministério Público], a não prestar declarações." Há silêncios que têm muito significado.

O escândalo do pagamento da mesada a Manuel Pinho é o único facto de relevo? Não, pelo contrário. Nem sequer é a única acusação contra Manuel Pinho: os pagamentos do GES foram descobertos enquanto estariam a ser investigados favores que ele terá feito à EDP. As escolhas do governo PS, do qual Manuel Pinho era ministro, beneficiaram em mais de 1200 milhões de euros a EDP, segundo apurou a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos.

Aqui reside um erro que não nos podemos dar ao luxo de cometer, pois sairia demasiado caro. Considerar que o "caso Manuel Pinho" é apenas de uma relação indevida com o GES de Ricardo Salgado é aceitar que as rendas excessivas pagas à EDP não merecem qualquer investigação. António Mexia poderá agradecer a omissão, mas a fatura da eletricidade das famílias portuguesas continuará a pesar enquanto os lucros da EDP permanecerão intocáveis. Aparentemente, o agradecimento da EDP a Manuel Pinho foi generoso, podendo ter passado pelo pagamento de mais de um milhão de euros de patrocínio a uma instituição de ensino superior norte-americana, para a qual Pinho seria convidado para lecionar uma cadeira na área das energias renováveis.

Manuel Pinho é a maçã podre do cesto, onde as restantes peças de fruta estão sãs, ou é a ponta do icebergue de um esquema de negociatas construído em cima de legislação feita à medida dos lucros da EDP? Olhando para o abuso que é o custo da eletricidade no nosso país, acho que não podemos rejeitar a segunda hipótese.

A eletricidade em Portugal é das mais caras da Europa, quer em termos absolutos no custo por kilowatt quer em termos relativos no peso da fatura elétrica sobre o salário médio. E, na composição do preço da eletricidade, um terço do custo advém de decisões políticas: são os chamados custos de interesse económico geral (CIEG). É nesta parte da fatura que os lucros da EDP disparam.

Os CIEG nasceram com os custos da liberalização do mercado de eletricidade (criando os CMEC - custos de manutenção do equilíbrio contratual) e cresceram com o sobrecusto do regime subsidiado das energias renováveis. As decisões políticas responsabilizam todos os governos desde 2004 e expõem a promiscuidade do centrão com os negócios privados. Não os investigar é normalizar o roubo que é feito às famílias pela fatura da eletricidade.

É por isso que a criação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) às rendas da energia é a proposta certa e a que defende o interesse público. E, claro, para apurar as responsabilidades - todas as responsabilidades. Quem esteja de consciência tranquila não terá nenhuma objeção a esta investigação, não gostará da proposta quem tenha a verdade e a transparência como inimigos.

Uma outra dimensão deste problema de corrupção é relativa aos offshores. São instrumentos de pagamento fácil, onde favores se compram e vendem quase sem deixar rasto. Se ninguém tinha dúvidas disso, todo o esquema que tem sido divulgado comprova como estes buracos negros financeiros dificultam o combate à corrupção. A cada escândalo, a realidade tem mostrado como nos fazem mal. A CPI tem aqui outra matéria importante que não pode ignorar.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” de 3 de maio de 2018

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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