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Consumir cá, devastar lá
Muito do que comemos é importado, frequentemente a partir de países longínquos. O nosso grau de autossuficiência alimentar tem vindo a crescer muito lentamente. Ronda atualmente os 85%., embora muito à custa das elevadas exportações de azeite, tomate, hortícolas, manteiga e vinho. Ainda assim, segundo a Pordata, em 2020 importámos quase 11 mil milhões de euros, em alimentos.
Se, por exemplo, estivermos atentos à origem da fruta vendida em muitas superfícies comerciais, facilmente verificaremos que é baixa a percentagem de origem nacional. Num caso, apenas identifiquei a pera rocha do Oeste como de produção nacional.
Mas muito do que importamos tem consequências devastadoras noutras partes do Mundo.
Um relatório recente da Associação Natureza de Portugal|WWF, revela-nos que “a União Europeia (UE) é um dos maiores importadores de desflorestação tropical e emissões associadas”.
Portugal está em 6º lugar entre os Estados Membros com maior consumo per capita associado à desflorestação nos trópicos. Entre 2005 e 2017 os principais produtos importados com mais desflorestação associada foram a soja, o óleo de palma e a carne de bovino, seguindo-se os produtos de base florestal, o cacau e o café. Todos direta ou indiretamente ligados à alimentação humana.
Para Catarina Grilo, Diretora de Conservação da ANPlWWF, “A Comissão Europeia, e Portugal, deverão considerar os resultados deste estudo como um alerta e criar uma proposta de legislação forte e capaz de combater a pegada da UE – é importante impedir que os produtos que contribuem para a destruição da natureza (legalmente ou ilegalmente) e que violam direitos humanos, entrem nos mercados europeus, e garantir que as empresas cumprem as regras definidas, indo por isso muito além das atuais medidas voluntárias existentes”.
Nada mais certo. E nada mais longe do que está a acontecer, pois a ausência dessa legislação forte ou, sequer do simples propósito de a criar é, precisamente, umas das fragilidades da muito falada Estratégia Europeia do Prado ao Prato.
Antes de mais, esta estratégia que visa nortear as transformações nos campos e na produção agrícola não passa de um programa de intenções. Um documento de ambição como, algo sibilinamente, lembrava um alto dirigente da CAP, mais preocupado com o negócio. O que conta são os Regulamentos da PAC. O resto…
Ainda assim, através desta estratégia que contributo se propõe dar a UE para reverter a situação ambientalmente catastrófica que está a ser provocada pelas suas importações?
“Com vista a reduzir a contribuição da UE para a desflorestação e a degradação das florestas a nível mundial, a Comissão apresentará em 2021 uma proposta legislativa e outras medidas para evitar ou minimizar a colocação no mercado da UE de produtos associados à desflorestação ou à degradação das florestas.”
Evitar ou minimizar? Porque não impedir? Mas, vá lá, assim lido até nem parece mal. Porém, colocando estes bem-intencionados propósitos no contexto de uma desejada “Transição Mundial”, percebe-se que não passam disso mesmo, de boas intenções. A ambição não vai além de “procurar” contribuir para reforçar a cooperação com países terceiros nestas matérias Ou de procurar “assegurar a existência de um capítulo ambicioso em matéria de sustentabilidade em todos os acordos comerciais bilaterais da UE”.
Desde que se “procure”, o resto é livre comércio… e negócio.
Se a UE realmente quisesse evitar a exportação das nefastas consequências ambientais das suas importações de alimentos - como as provocadas pela desflorestação tropical - deveria suspender de imediato todos os acordos de comércio internacional que não incluam normas imperativas de preservação ambiental.
É exigir de mais? Longe disso. É o mínimo.
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