Reduzir a pobreza, melhorar a educação e a habitação e garantir emprego são fatores determinantes no combate à diabetes e à grande maioria das doenças crónicas, promovendo uma melhor saúde e bem estar para milhões de cidadãos. O presidente da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal defende, por isso, ser aqui que a Cimeira Social pode e deve intervir, reconhecendo que o impacto da pobreza na saúde é um factor maior de risco para a saúde e incluindo estas populações nas políticas prioritárias de saúde
A influência da baixa escolaridade e de factores sociais como o desemprego, baixos salários, isolamento social é tal no aumento do número de pessoas diagnosticadas com diabetes, que já muitas vezes ouvi que, se os médicos se dedicassem a cuidar dos problemas sociais dos seus utentes, obteriam melhores resultados na sua saúde e bem estar. Os determinantes sociais da saúde são hoje considerados por todos como os principais factores modificáveis de risco da grande maioria das doenças crónicas. Os determinantes das doenças crónicas costumam ser identificados como modificáveis e não modificáveis. Entre os últimos encontramos a idade, o sexo e a genética. Nos primeiros, estão os já referidos acima, salientando ainda a pobreza nas suas múltiplas vertentes.
Ao saber da realização da Cimeira Social pela Presidência Portuguesa da União Europeia, a Federação Internacional da Diabetes – Região Europa (IDF Europa) e a Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP) procuraram , sem sucesso, introduzir o tema da saúde e a sua relação com a pobreza. A UE, já em 2017, aprovou os “Pilares Europeus dos Direitos Sociais” e colocou na agenda 3 temas relacionados com a saúde: cuidados continuados, cuidados de saúde e apoio e cuidados às crianças: ou seja, cuidados universais de saúde. Haveria que lhes dar sequência...
É essa a minha intenção, voltar a colocar os cuidados universais de saúde na agenda social. Esta cimeira ocorre uma semana antes de a APDP comemorar o seu 95.º aniversário. Ao saber que a pobreza vai ser um tema do programa da Cimeira, enquanto instituição nascida para “proteger os pobres” (o nome inicial da APDP era o de Associação Protectora dos Diabéticos Pobres), nunca deixamos de olhar para os mais vulneráveis como o público alvo da nossa ação. As pessoas, por mais pobres que sejam, são sempre as principais interessadas nos seus próprios cuidados. A APDP começou por dar a insulina gratuitamente, mas cedo percebeu que o seu uso necessitava de educação. Daqui nasceu uma estrutura de apoio educativa com uma máxima: “fazer com que todas as pessoas com diabetes vivessem e trabalhassem como se não fossem doentes”. Criada em 1926, a APDP combateu sempre uma visão assistencialista, sabendo que a sua missão era menos tratar as pessoas e mais ensiná-las a cuidar de si próprias, como dizia o Prof. Pulido Valente, já em 1925.
Em 2019 viviam na Europa 59 milhões de pessoas com diabetes, das quais 32 milhões na UE (cerca de 8%). Em média, a diabetes reduz a esperança de vida nas pessoas entre os 40 e 60 anos em 4 a 10 anos, aumentando o risco de morte por doença cardíaca, renal ou por cancro. Um terço das mortes por diabetes foi em idades inferiores aos 60 anos e a diabetes estava no 3.º lugar das causas mais frequentes de dias evitáveis de internamento hospitalar. Ainda em 2019, os custos com a diabetes atingiram uma estimativa de 9% dos custos totais da saúde, essencialmente devido às complicações evitáveis da doença[2].
Algo muito relevante neste quadro aparece quando olhamos para ele em pormenor: a diabetes quase que duplica a sua prevalência se se considerarem os sectores mais frágeis, principalmente nos homens. Se olharmos para a educação, a prevalência aumenta 30% nas pessoas com o ensino básico em comparação com as que frequentaram o ensino secundário ou mais.
Foi a partir desta evidência que alguns autores criaram o modelo do ciclo sociobiológico da diabetes: os determinantes sociais como o salário, a educação, a habitação, ou o acesso à alimentação, causam pobreza, que, por sua vez, provoca uma privação material e stress crónico, e que, consequentemente, provocam respostas biológicas e psicológicas que dão origem à diabetes. Esta, por sua vez, tem implicações sociais, como os custos com os cuidados, complicações no emprego, eventual aumento do absentismo ou do potencial educativo.
É aqui que a Cimeira Social podia e devia intervir: o impacto da pobreza na saúde deve ser reconhecido como um factor maior de risco para a saúde e incluir estas populações nas políticas prioritárias de saúde.
Reduzir a pobreza, melhorar a educação, a habitação e garantir emprego, são factores determinantes no combate à diabetes e à grande maioria das doenças crónicas, promovendo uma melhor saúde e bem estar para milhões de cidadãos e consequentemente menos pobreza.
A APDP nasceu para os pobres e apesar de hoje em dia ser a Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal continua a ter esse papel, continua a atuar junto dos mais desfavorecidos porque é junto desta população que a diabetes mais cresce. No atual contexto de crise sanitária, social e económica em que vivemos, esta é uma realidade que deveria obrigar-nos a refletir e a desenvolver programas efetivos de combate à diabetes, fazendo a diferença na vida das pessoas. Mas esta é uma luta que a APDP não pode travar sozinha, precisa da ajuda de toda a sociedade. E a Cimeira Social poderia ser uma boa oportunidade. Esperemos que não a falhe! É o desafio que lhe lançamos!
Artigo publicado em expresso.pt a 6 de maio de 2021
