No momento em que escrevo este texto, a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) informou que a Central de Chernobyl, em gestão desde o conhecido acidente de 1986, está sem ligação à rede elétrica exterior. Neste momento a alimentação elétrica está a ser garantida por geradores a diesel de emergência. A AIEA garantiu que o volume de água das piscinas de arrefecimento é por enquanto suficiente para arrefecer o combustível usado, em caso de falha dos sistemas de emergência que garantem o funcionamento da piscina. Caso o combustível usado deixe de ser arrefecido perigosas quantidades de partículas radioativas poderão ser lançadas para o meio ambiente. Perdeu-se também o funcionamento da monitorização dos níveis de radioatividade, dos sistemas de ventilação e de iluminação de grande parte da central. O único contacto com o complexo resume-se a um operador sénior que contacta a AIEA fora do complexo de Chernobyl.
Na Central de Zaporizhzhya, depois de dias de silêncio, foi restabelecido o contacto com os operadores, no entanto o seu trabalho está a ser ditado pelo comando militar aí presente em vez de seguir a lógica rigorosa de funcionamento das centrais nucleares, o que está a causar um stress enorme entre os operadores presentes. Continua o trabalho de procura e recolha de projéteis não detonados espalhados no complexo, lançados durante o ataque da passada semana.
O Instituto de Física e Tecnologia de Carcóvia, bombardeado esta semana, ficou com o seu gerador de neutrões destruído, mas não existem perigos relevantes decorrentes deste ataque visto que as instalações apenas possuem material radioativo subcrítício sem potencial para causar um acidente nuclear importante.
Como foi sublinhado pela própria AIEA é a primeira vez que ocorre um conflito militar com esta intensidade num país com centrais nucleares. A segurança das centrais nucleares foi pensada e projetada assumindo um ambiente de paz. Um exemplo, é o reforço de que gozam quase todas as centrais modernas contra embates de aeronaves, um risco que pode ocorrer em qualquer país. No entanto, esse reforço não será suficiente para resistir a um bombardeamento intenso com projéteis de artilharia convencional e muito menos para projéteis especialmente concebidos para atravessar estruturas blindadas ou de concreto armado. Para além do próprio reator, as piscinas de arrefecimento de material usado são alvos críticos para este tipo de ataques.
Mas mais prováveis e mais perigosas são as possibilidades de falha de abastecimento de eletricidade, do circuito de água ou de falhas de intervenções dos operadores das centrais numa situação de crise. Os acidentes de Chernobyl e Fukushima e o quase-acidente de Three Milles Island inserem-se nesta tipologia de acidentes. Se em tempo de paz existem vários sistemas de redundância para garantir que não ocorram falhas deste cariz, por exemplo as centrais ucranianas possuem 4 unidades a diesel de emergência para fornecer energia às centrais, em tempo de guerra ninguém garante que os operadores (ou pessoal de apoio, como bombeiros) irão poder desenvolver o seu trabalho dentro de todas as regras de segurança. Pior, ninguém garantir que um ataque não possa resultar num corte de energia elétrica ao exterior e na destruição das unidades de emergência a diesel, um dos mais graves cenários para uma central nuclear.
Depois deste conflito será da maior urgência que a comunidade internacional encontre uma solução que elimine este tipo de riscos com todas as consequências que poderão daí advir
Relembro os quatro pilares de segurança de uma central nuclear: 1) integridade material dos edifícios; 2) operacionalidade dos sistemas de segurança; 3) prontidão de resposta dos operadores da central; 4) operacionalidade permanente de um sistema de alimentação elétrico exterior à central. Em tempo de guerra ninguém consegue garantir que estes pilares possam ser salvaguardados, especialmente os pontos 3) e 4) que são os mais críticos.
Depois deste conflito será da maior urgência que a comunidade internacional encontre uma solução que elimine este tipo de riscos com todas as consequências que poderão daí advir. Um acidente nuclear não é apenas grave e com um potencial letal muito elevado, apresenta também efeitos duradouros à escala de décadas nas regiões afetadas. Não podemos aceitar que a humanidade continue exposta a este tipo de riscos.