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A censura que eles odeiam

Não faltam as razões para esta censura, executada no dia em que o Presidente da República volta a ganhar o poder de dissolução do Parlamento.

E de repente, em uníssono, como um coro de tragédia grega ou uma onda que varre o país, dezenas de comentadores e editorialistas fustigam o Bloco de Esquerda por ter apresentado uma moção de censura ao Governo! Junta-se a opinião publicada ao horror dos políticos do centrão, com Alberto João Jardim à cabeça: todas as censuras são possíveis e aceitáveis, menos a do Bloco. Notável elogio: ao que parece, apenas a censura do Bloco incomoda os poderes instalados. Outros anunciam, o Bloco cumpre.

E, no entanto, não faltam as razões para esta censura, executada no dia em que o Presidente da República volta a ganhar o poder de dissolução do Parlamento. Desde logo, a censura faz-se em nome das gerações perdidas: aqueles com mais de quarenta anos que representam o desemprego estrutural e que já nem beneficiam do subsídio de desemprego e aqueloutros, mais jovens, presos nas teias da intermitência, dos empregos precários e do eterno provisório. Um país não se pode dar ao luxo de perder tanta gente, como se as pessoas fossem descartáveis ou uma espécie de supra-numerários!

Mas a censura faz-se também contra a inevitabilidade: perante o dogma do ajustamento orçamental feito à custa dos salários e do emprego, exige o Bloco de Esquerda a taxação das grandes fortunas e das transacções bolsistas, a par do fim dos offshores e da quase isenção fiscal ao capital financeiro. Todas estas propostas foram reprovadas no parlamento com a santa aliança do PS, PSD e CDS.

Com este Governo, os bancos lucraram cada vez mais ano após ano, pagando cada vez menos imposto, sem esquecer que estas entidades compram a dívida portuguesa, aumentando a espiral especulativa e a agiotagem, lucrando com juros superiores a 6%, os mesmos juros que destroem a economia e o emprego.

Não esquecemos, também, o ataque ao trabalho: este Governo, dito socialista, não hesitou em vergar-se aos ditames da Senhora Merkel, facilitando e embaratecendo os despedimentos para gáudio dos empresários rentistas do regime.

O país está estagnado e empobrece. Em Portugal, o índice de Gini, que mede as desigualdades sociais, revela uma disparidade entre os mais ricos e os mais pobres superior à do Egipto!

Não nos peçam, por isso, que sustentemos um Governo ao qual sempre nos opusemos com todas as nossas energias. Mas não nos peçam, também, que levemos a Direita ao colo com o seu projecto de revisão constitucional.

Que ninguém se engane: o Bloco é frontal e não entra em jogos de salão. Esta moção censura Governo, PS e PSD pelo orçamento da derrota e da resignação, pelos PECS da violência social e pelo ataque ao emprego. Por isso, ela é a condenação dos que têm facilitado a vida à Direita, abdicando de um programa próprio. Ou alguém duvida que, no essencial, este Governo responde aos mesmos ditames que guiam o PSD e o CDS?

Chegou, pois, o tempo da clarificação. Veremos todos como se posicionam PS e PSD. Em hora de aperto, os interesses unem-se…Pela nossa parte, somos o que sempre fomos: uma esquerda de confiança que não se engana sobre o seu lado da barricada.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, professor universitário. Doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação, coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.
Termos relacionados Moção de Censura 2011
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