Cavaco Silva: Homem ao Mar

porRui Maia

28 de abril 2014 - 0:14
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Cavaco não tem um regime autoritário para gerir, mas torna a democracia num regime autoritário quanto possível e esvazia-a de liberdade e de princípios.

Confesso que, não tendo vivido o 25 de Abril de 1974, não tendo podido participar das organizações que se movimentavam contra o regime fascista, por vezes me é difícil perceber a diferença entre Salazar, Marcelo Caetano, Cavaco Silva ou Alberto João Jardim. Parece-me difícil essa distinção porque todas as escolhas na vida são circunstanciais. Mas essas circunstancias não mudam as pessoas que somos. Cavaco, hoje, é um fascista de ontem. Não tem um regime autoritário para gerir, mas torna a democracia num regime autoritário quanto possível e esvazia-a de liberdade e de princípios, em si, esvazia-a de si própria.

Cavaco mete no lixo a democracia quando aceita que se rasguem os compromissos assumidos em campanhas eleitorais, quando rasga os compromissos com os principais credores do país que são aqueles feitos com quem aqui trabalha, estuda, vive, sobrevive, paga impostos, recebe pensões... com quem montou tudo o que podemos ver quando olhamos à volta. Cavaco usa do silêncio para higienizar o espaço entre o mais alto cargo da nação e o povo. Para ele, a política do povo é para entreter, para comer bolo rei de boca cheia, para vernissages. Para ele, a política séria não deve ser falada, decidida, aprofundada nas ruas. Democracia de Cavaco? Não parece.

Para Cavaco, usando botinhas ou sapatos engraxadíssimos, os 7 dias da semana podem perfeitamente ser todos para trabalhar1 porque o povo deve ser esforçadinho2. E já se sabe, a reforma é difícil e pequenina, como a sua e da sua Maria. É normal.

Cavaco, que não gosta de usar cravos vermelhos, continua a querer recuperar a máxima do regime fascista de Portugal e das evocações gloriosas de outros tempos - Ó mar! - que nos faz tão grandes. Talvez porque saiba que ficará na história como um fora do seu tempo, associado ao crime que atira para a pobreza metade da população do seu país. Cavaco, à noite, sonha com tempos idos, e quando acorda quer brincar ao Portugal a preto-e-branco, outra vez.

O Professor Doutor, o mesmo que matou a frota pesqueira nos anos 803 - aqui está um belo e esclarecedor texto por si assinado - fala agora que devemos ensinar às crianças o quão gloriosos somos e onde o nosso limite fica para lá do mar que podemos ver.

Mas talvez porque saibamos que o criminoso volta sempre ao local do crime, Cavaco não aparece de surpresa. Desmantelamento da frota pesqueira, desmantelamento dos caminhos de ferro... desmantelamento da democracia. Cavaco e os seus, continuam por aí.

Mas se o mar é um seu desígnio, que o leve. Uma cadeira para um, um mar para outro. Já é tarde.

Eu não grito "homem ao mar". Eu não atiro a bóia. Tu atiras?


Rui Maia
Sobre o/a autor(a)

Rui Maia

Engenheiro informático
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