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Cavaco e Sócrates, companheiros de orçamento

Sócrates ajudou Cavaco que ajudou Sócrates.

O envolvimento de Cavaco Silva na promoção de um acordo de Bloco Central para o Orçamento de Estado é directamente proporcional ao desinvestimento de Sócrates e do PS institucional na campanha de Manuel Alegre. Na verdade, Cavaco encontrou o guião que pretendia e que tão bem cultiva: o de homem providencial, capaz de unir os irmãos desavindos e de fazer aprovar um orçamento que serve claramente à sua corte onde os banqueiros predominam. A atrapalhação de Sócrates, o tom folhetinesco das negociações e, acima de tudo, as opções que norteiam o Orçamento (machadada no poder de compra, nos serviços públicos e no papel do Estado) consubstanciam as orientações de sempre de Cavaco.

O Presidente da República teve um mandato sem brilho e marcado pelo conservadorismo: não queria a legalização do aborto, o casamento entre homossexuais nem a paridade. O seu Portugal pequenino e anti-cosmopolita assenta como uma luva nos seus tempos de Primeiro-Ministro, em que se destacou pela repressão (aos estudantes, aos trabalhadores, aos polícias, aos escritores, como Saramago) e pela asfixia do espaço público. De igual modo, a ele se deve a canalização brutal de fundos comunitários para investimentos não reprodutivos e para uma formação profissional falhada, baseada na falta de avaliação, no défice de qualidade e no desajustamento face às exigências de qualificação. A ele se devem, também, vastas ondas privatizadoras e ataques à legislação laboral que tanto alimentaram a parasitária burguesia rentista que em seu torno se movimenta. Alguém que falhou como Primeiro-Ministro poderia agora surgir como um estadista de primeira água nas funções presidenciais?

Sócrates ajudou Cavaco que ajudou Sócrates. Saiba Manuel Alegre perceber isso.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, professor universitário. Doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação, coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.
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