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Cartas na mesa

Foram dois apelos coletivos em menos de um dia. Os donos do país colocam as cartas na mesa e preparam-se para ir a jogo em defesa de qualquer solução que não ponha em risco a austeridade eterna.

Foram dois apelos coletivos em menos de um dia. Primeiro, as quatro confederações patronais, juntamente com a UGT, apelaram a um “compromisso nacional” em nome do “sentido de responsabilidade”. Horas mais tarde, foi a vez de um grupo de empresários tornar pública a exigência do rápido cumprimento do “compromisso de salvação nacional” proposto por Cavaco Silva. Aqui está o elemento que faltava na equação da austeridade: os donos do país colocam as cartas na mesa e preparam-se para ir a jogo em defesa de qualquer solução que não ponha em risco a austeridade eterna.

O primeiro apelo interpela diretamente “os partidos políticos que se encontram a negociar o compromisso de médio prazo”, pedindo uma solução governativa que evite “uma fase de grande gravidade em termos económicos e sociais”. Ao incluir a UGT num cheque em branco – em que o único pressuposto da governabilidade é a própria governabilidade –, as confederações patronais procuram alargar a base social de apoio de um hipotético novo governo que, independentemente da sua composição orgânica, garanta a aplicação da austeridade até junho de 2014.

O segundo apelo é ligeiramente diferente. O texto tem poucas linhas e ainda menos ideias. A mensagem, igualmente dirigida aos três partidos pró-troika, é resumida numa frase: “entendam-se (…), para que o exercício cumpra os objetivos pretendidos, ao acordo das entidades que hoje nos financiam.” Mas o que o torna relevante é a homogeneidade social dos vinte e um homens (!) que o subscrevem. Quem são eles?

A maioria dos subscritores são empresários conhecidos: Francisco van Zeller (ex-Presidente da Confederação da Indústria Portuguesa), João Talone (ex-CEO da EDP e ex-membro do Conselho de Administração do BPN), João Manuel de Melo Franco (empresário das telecomunicações, que presidiu aos Conselhos de Administração da TMN e da TPL) ou José de Mello (Presidente do Conselho de Administração da José de Mello Saúde). Mas são também alguns dos que, mantendo a ligação ao mundo empresarial, trataram, ao longo das décadas, de estabelecer uma estreita ligação entre o poder político e o capital económico: Daniel Bessa (diretor geral da COTEC e ex-ministro do PS), Alexandre Relvas (ex-secretário de Estado do PSD, ligado a diversos grupos empresais e fundos imobiliários), Rui Vilar (ex-ministro e ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos, que chegou a ser indicado como um dos possíveis nomes para mediar o acordo tripartido) ou Rui Horta e Costa (que integrou, em 2008, a lista de Miguel Cadilhe para a liderança do BCP).

Alargar o campo social e político que garante os mecanismos de acumulação é agora a estratégia desta burguesia beneficiária da austeridade e agrupada em torno do lucro garantido. O tão-proclamado processo negocial entre a direita e o PS confirma-se como a expressão da alavancagem social que transforma o eleitorado de esquerda em política de direita. A intervenção de Cavaco Silva, independentemente do resultado e da reconfiguração orgânica dos partidos pró-troika, teve já esta consequência: acabou com tempo das meias-escolhas. A partir de agora, é o tempo das escolhas claras e da política por inteiro.

Sobre o/a autor(a)

Estudante. Dirigente do Bloco de Esquerda.
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