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Capitulação

O PEC saiu ainda pior do que se esperava. Para o que pudesse sobrar de socialismo no PS, foi um canto de cisne.

Primeiro, falou João Cravinho. Depois, Manuel Alegre, arremetendo contra as privatizações. Seguiu-se, imitando-o, Mário Soares. Agora, à medida que se conhecem em pormenor as restrições nas políticas sociais, o desencanto alastra. Pedro Adão e Silva declara-se «em estado de choque» porque «o programa eleitoral do PS foi uma brincadeira», Paulo Pedroso agradece aos deuses «não ter sido candidato nesta legislatura» e a procissão ainda vai no adro.

O director do Jornal de Negócios definiu a política de privatizações do PS numa palavra: capitulação. Tem razão. Descobre-se agora que ela vai mais longe, até à amnistia fiscal para as empresas que colocaram dinheiro em offshores. A filosofia do Governo é, como sublinha Pedro Santos Guerreiro, a da profecia do banqueiro Ricardo Salgado - «só uma ampla amnistia fiscal traz solução para os offshores». Só o resultado é distinto. A amnistia chegou, mas não o fecho dos paraísos fiscais. «Está-se mesmo a ver», remata este editorialista, insuspeito de esquerdismo.

Acapitulação está presente na esmagadora maioria das medidas propostas. E onde não mora a capitulação, sobra a mentira (lembram-se do modo como Sócrates atacou Louçã sobre os benefícios fiscais no frente-a- -frente que tiveram?). O pior deste PEC é que ele não vende os anéis para salvar os dedos. O PEC é uma promessa de recessão em cima da recessão e ponto. Com uma factura que será paga, em parte, pela chamada classe média e, em parte, pelos mais pobres entre os pobres.

Na verdade, este Governo não capitulou apenas na frente interna, mas também na Europa, quando desistiu de lutar por uma mudança nas orientações da política monetária decididas em Berlim e que Durão Barroso garante em Bruxelas. O PEC é o papel onde José Sócrates estipula as condições em que aceita colocar o país numa situação de protectorado. Nada disto tem perdão porque havia parceiros para confrontar a Alemanha com as suas responsabilidades. A equação é simples: se os alemães comprarem mais, o Sul respira. Os aumentos salariais na Alemanha são do nosso mais imediato interesse. Parece que, agora, os crânios de Bruxelas começam a perceber. Mas nem o Governo, nem o PSD nem Cavaco Silva mexeram uma palha em favor da evidência. Em nosso nome, desistiram, aceitando sem luta que a factura do PEC fosse, direitinha, para os países que mais estão a sofrer com a crise.

A nossa crise é, evidentemente, económica e social. Mas é, acima de tudo, moral. Quem nos governa perdeu há muito qualquer convicção social que pudesse ter tido - e alienou agora os gramas de coragem que ainda pudessem sobrar. São amibas viciadas em poder, sem ponta de patriotismo ou, sequer, de europeísmo. 

Artigo publicado no jornal Sol de 19 de Março de 2010

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputado, dirigente do Bloco de Esquerda, jornalista.
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