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A burguesia que pague a crise
Os trabalhadores estão a ser confrontados com uma brutal crise do custo de vida. À inflação que já se sentia há anos na habitação, juntam-se agora os aumentos das taxas de juro, a subida vertiginosa dos custos da energia e combustíveis e de bens de primeira necessidade, como a alimentação. Quem vive dos rendimentos do seu trabalho precisa de respostas que os governos se recusam a dar. Sobre a inflação, os bancos centrais e os governos já deram o sinal: os trabalhadores têm que empobrecer e os lucros têm que ficar intocados.
A inflação, ao contrário dos lucros da burguesia, não caiu dos céus. A crise tem origem nos choques às cadeias logísticas globais provocadas pela pandemia e pela invasão Russa da Ucrânia. No entanto, a culpa também reside nas pornográficas margens de lucro de setores relevantes da economia, com a energia e a grande distribuição à cabeça, que estão a puxar os preços para valores incomportáveis.
No Reino Unido, um estudo recente do sindicato Unite mostra que a espiral inflacionária que está a fustigar os rendimentos dos trabalhadores está a ser empurrada sobretudo pelas margens de lucro das maiores empresas do país, que atualmente se encontram 73% mais altas que antes da pandemia., sendo que os lucros destas empresas aumentaram quase 12% entre os meses de outubro de 2021 e de março de 2022. Quando os economistas do Unite excluíram da análise as empresas do setor da energia, os lucros aumentaram 42% entre 2019 e 2021. Por outro lado, no mesmo período, os rendimentos do trabalho só aumentaram 2,61% e, quando a inflação é contabilizada, caíram 0,8%.
O mesmo estudo conclui que estas margens de lucro são responsáveis por quase 60% da inflação no último semestre e que, em contrapartida, apenas 8% se deve aos custos do trabalho.
Em Portugal, ao mesmo tempo que o governo do PS obriga os trabalhadores a apertarem o cinto para não agravar a espiral recessiva, os lucros dos grandes grupos económicos não param de engordar.
Na energia, por exemplo, no quarto trimestre de 2021, os lucros da Galp foram 40 vezes superiores aos de 2020. A BP fechou o ano com lucros de 6.631 milhões, a Repsol obteve lucros recorde de 2,5 mil milhões, e os lucros da Shell dispararam para os 17 mil milhões de euros.
Na grande distribuição o cenário é idêntico. Em 2021, a Sonae registou o seu melhor ano dos últimos 8 anos, com lucros de 268 milhões de euros, ficando acima dos valores de 2020 e 2019. Já o grupo Jerónimo Martins viu os seus lucros aumentar em 48,3% para 463 milhões de euros em 2021.
Na banca idem. Enquanto despedia trabalhadores e fechava balcões, o Santander Totta encerrou o primeiro trimestre deste ano com lucros de 155,4 milhões de euros e no ano passado os cinco maiores bancos em Portugal registaram lucros de mais de 1.500 milhões de euros, contra os prejuízos de 250 milhões no ano anterior. Os recentes aumentos das taxas de juro vão ser a cereja no topo do bolo dos banqueiros.
Engana-se quem acredita que estes lucros vão pingar para os trabalhadores, condenados à precariedade e aos salários de miséria, apesar dos aumentos sustentados da sua produtividade. Como sempre, os lucros serão canalizados para os bónus milionários dos CEOs e os dividendos estratosféricos distribuídos pelos acionistas. É o trickle up.
O contorno de classe desta crise não podia ser mais evidente.
Nestas circunstâncias, a única resposta credível é aumento geral dos salários, o controlo de preços de bens essenciais e a introdução de impostos pesados aos lucros extraordinários de quem lucra com a manipulação de preços. É absolutamente inaceitável que a maioria absoluta do PS peça austeridade aos trabalhadores, ao mesmo tempo que deixa os lucros da burguesia completamente intocáveis.
Mas no confronto político não basta termos as propostas mais adequadas aos problemas das pessoas. Essas respostas têm que estar enquadradas numa narrativa mobilizadora que identifica culpados e que traça rumos para o futuro. A esquerda tem que encontrar a arte e o engenho para articular essa mensagem. Portanto, que se diga de viva-voz: a burguesia que pague a crise.
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