Eleições gerais
Diante de uma pesada derrota nas eleições municipais e autonómicas para a esquerda espanhola, o beliscar do Governo PSOE-UP e um avanço significativo da direita tradicional, conservadora e franquista, Pedro Sanchéz apressou-se a convocar eleições gerais antecipadas. Numa jogada arriscada de sobrevivência, tentou estancar as perdas, evitar que a direita continuasse a capitalizar a impopularidade do seu Governo e com isso reganhar legitimidade e manter o poder. Quando a ameaça se aproxima, tal como o PS também o PSOE, provoca eleições e tenta encurralar o eleitorado na escolha entre o progresso e a barbárie, disso faz depender a sua sobrevivência. (é urgente a esquerda superar esta chantagem)
As eleições de 23 de julho, manietadas pelo tema do independentismo e as possíveis alianças de governo, resultam numa subida acentuada do PP (Ciudadanos não concorreu), a queda vertiginosa do VOX, a sobrevivência do PSOE, perda do Sumar (comparado com a UP) e uma desinsuflação eleitoral das forças independentistas no seu conjunto. Uma nota para a CUP (Candidatura de Unidade Popular), que perdeu os 2 deputados “ingovernables” que conseguira em 2019, no seguimento do “proces” e numa candidatura inédita a eleições gerais. Este é um partido independentista catalão de esquerda libertária, ecossocialista, municipalista, que se organiza de baixo para cima e não deve ser esquecido.
Democracia parlamentar
Em Espanha, Portugal, no norte da Europa, são vários os países onde é o Parlamento e o resultado das maiorias nele formadas que determina a composição do Governo. E assim deve continuar, contrariando regimes presidencialistas. Em Portugal, decorridas as legislativas de 2015, Passos Coelho afirmava ter legitimidade para governar por ter ganho as eleições, por ser a candidatura mais votada, agora também Alberto Feijóo ensaiou essa narrativa no rescaldo das gerais espanholas. Uma tentativa de subversão de um sistema democrático pré-definido que apenas contribui para a desinformação e a desconfiança, quando na Extremadura o Governo Regional é formado por PP-VOX e o partido mais votado foi o PSOE. Dois pesos e duas medidas para uma direita ressabiada, que tendencialmente vem negando os resultados eleitorais quando lhe são desfavoráveis.
O fim do bipartidarismo, resulta numa maior valorização do parlamento enquanto órgão de decisão, induz á procura de diálogo e construção de alianças, aumenta a exigência dos mandatos e o seu escrutínio, responsabiliza opções políticas. É a clareza da política em cada momento e não a aritmética ou calculismo, o fermento do jogo democrático para quem o aceita jogar, apesar de todas as limitações da democracia representativa tal como a conhecemos. Neste quadro, e na incapacidade de a direita garantir uma maioria no Congresso de Deputados (e isso não é coisa pouca na iminência de forças franquistas poderem vir a ocupar o Governo de Espanha), o PSOE beneficiando de uma correlação de forças favorável a bloquear a investidura de direita por um lado e da necessária prova de vida Independentista por outro, consegue a chave para desbloquear o complexo xadrez político Espanhol. Consegue assim a Presidência do Governo e da Mesa do Congresso, nada mau.
Autodeterminação
O independentismo, a Catalunha e o Pais Basco, foram em larga medida o fator de maior polarização nestas eleições (e vai continuar). Em torno desta questão, a direita conseguiu marcar o debate evitando falar do seu programa antipopular e conservador, apelou a um patriotismo primário que não se coibiu de trazer para o debate o “terrorismo” e os “inimigos de Espanha”, a agenda da direita franquista é conhecida. Esta estratégia e o bloco “castelhanista” foram derrotados nas urnas, levando mesmo a que o Junts, um partido liberal de centro-direita viabilize um governo de centro-esquerda (tal não é a ironia). As forças independentistas, apesar de uma quebra eleitoral no seu conjunto e em especial as Catalãs, conseguem resistir e tornar-se determinantes na nova correlação de forças parlamentar.
Por mais bloqueios, imposições ou negociações, não poderemos fugir desta questão, o independentismo continuará vivo e tenderá a radicalizar-se enquanto permanecer a repressão do estado Espanhol. Se defendemos o direito à autodeterminação de um Estado-Nação já existente, porque razão não defendemos a mesma autodeterminação livre e democrática de um pré-existente? Hipocrisia! A Catalunha e o Pais Basco devem ter direito a fazer o caminho que entenderem, o seu futuro será a liberdade do seu povo e não a vontade externa, do governo de Espanha, da União Europeia ou de quem quer que seja, só aos Catalães e aos Bascos compete decidir o seu caminho e enquanto não lhe for reconhecido esse direito administrativo, continuará a impor-se uma constituição colonial e franquista.
Governo
Como acredito que para preparar ciclos políticos é necessária autocrítica, volto ao Governo PSOE-UP, primeira experiência governativa da Unidas Podemos. Um mandato marcado pelo sucessivo adiar do dito “programa progressista”, quase nada nesse campo se concretizou. A parcial reforma da Lei Laboral ou a manutenção da Lei da Mordaça não viraram a página de Rajoy, o combate à inflação, à crise climática ou da habitação não passaram do papel, os ataques aos migrantes em Melilla e ao povo Sahauri não abrandaram. Um mandato de migalhas para a esquerda, bengala do PSOE que governou como sempre, com um programa neoliberal e incapaz de desafiar a União Europeia e os interesses da finança.
Num momento em que o centro de gravidade político se desloca para a direita a par de alterações geopolíticas significativas que nos convocam para novos desafios, a esquerda não pode ceder na luta entre capital e trabalho, sob pena de perder espaço e o seu projeto ser esmagado. O avanço do neofascismo e a crise das democracias liberais, faz-se à custa do aumento das desigualdades sociais e do ressentimento político daqueles que o sistema capitalista abandona, negar isso é como negar uma crise de identidade à esquerda, que se acomodou no colaboracionismo, desligou das massas populares e deixou de saber comunicar com os de baixo. A trajetória ministerial da UP afastou-se do “15M” para se aproximar às instituições, não espanta que Yolanda Diaz (vice-presidente de Sanchéz) a mantenha com o Sumar. Uma plataforma de programa desarticulado e sem base social, firme perante o espectro do fascismo, mole na política. Se é certo que a esquerda não pode ceder na unidade antifascista, também não pode ceder na sua identidade.
Para já habemus Governo PSOE-Sumar, e por mais progressista que se apresente mantenho o ceticismo numa revolução (eco)ssocialista feita a partir das instituições, é urgente exigência no parlamento, sim! E não menos, luta nas ruas.