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Barragens: sim ou não?

Num quadro de profundas alterações climáticas, em que os períodos de seca se repetem e agudizam, qualquer política de serviço público tem de colocar o problema do abastecimento de água na primeira linha das suas preocupações.

Durante muito tempo, o pequeno, mas magnífico, Museu de Arte Pré-Histórica e do Sagrado no Vale do Tejo, em Mação, exibiu uma exposição intitulada “Um risco na paisagem”. A exposição documentava as primeiras marcas traçadas pela humanidade na paisagem, há 7 ou 8 milénios, quando se constituíram os primeiros núcleos sedentários. Esses “riscos” marcaram para sempre o território e a identidade das gentes.

Terá começado aí a poluição do planeta? A humanidade faz parte da natureza. A respetiva interação para produzir valores de uso, ou seja, bens e serviços necessários à satisfação das necessidades humanas de forma sustentável, é o oposto à lógica capitalista produtivista que age de forma predatória sobre a natureza. Para o capitalismo o que interessa é produzir com o objetivo da reprodução e acumulação de riqueza.

Atente-se no debate sobre a construção de novas barragens. Para alguns (e algumas) o debate não é sobre as vantagens ou inconvenientes de construir esta ou aquela barragem, em concreto. Debate que se impõe, sublinhe-se, porque, de facto a construção de uma barragem não é necessariamente sinónimo de progresso. Pode constituir mesmo um retrocesso, quando os interesses das empresas de eletricidade, por exemplo, se sobrepõem aos interesses das populações, do ambiente e do livre curso dos rios.

Será o caso, por exemplo, da Barragem do Fridão, em Amarante. A sua construção parece ser desnecessária e os riscos afiguram-se elevadíssimos, em comparação com os parcos benefícios esperados. Nestas circunstâncias, parece assisado rejeitar a construção desta barragem.

Em contrapartida, que pensar da construção da Barragem de Pisão, no Crato? Esta infraestrutura é absolutamente necessária ao abastecimento de água potável a 8 concelhos do norte alentejano. A Barragem de Póvoa e Meadas que atualmente garante esse abastecimento há muito ameaça ruir. Portanto, a construção da Barragem do Pisão não é apenas recomendável; já deveria ter sido feita e é mais imperativa a cada dia que passa, para garantir o fornecimento de água potável a milhares de pessoas.

Já a ideia de construir uma barragem em Alvito, a sul da Beira Baixa, tem grande número de prós e alguns contras que têm de ser bem sopesados, assim como a dimensão que ela poderá vir a ter. Os estudos cuja elaboração foi recomendada pela Assembleia da República deverão clarificar as opções e permitir uma decisão esclarecida.

Em qualquer caso, ser liminarmente contra todas as barragens não passa de um slogan, numa altura em que muito justamente existe uma preocupação generalizada com os efeitos das alterações climáticas, a previsão de períodos de seca mais prolongados e maiores dificuldades de acesso à água. A água é essencial à vida humana e o seu fornecimento às populações é um serviço público que não pode falhar.

É por isso (confesso…) que é capciosa a intencional dicotomia introduzida no título deste apontamento. É que nuns casos “barragens sim”, noutros “barragens não”… É preciso estudar e ponderar cada projeto, porquanto nenhuma fórmula livresca ou uma qualquer “linha justa” determina esta ou aquela opção, em concreto.

De resto, num quadro de profundas alterações climáticas, em que os períodos de seca se repetem e agudizam, qualquer política de serviço público tem de colocar o problema do abastecimento de água na primeira linha das suas preocupações. E tem de o resolver de acordo com o interesse público! Com melhor gestão da água e com barragens, se for absolutamente necessário, sempre mitigando os eventuais efeitos nefastos de mais um “risco na paisagem”.

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro técnico de comunicações. Dirigente do Bloco de Esquerda
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