Os ganhos em saúde exigem investimento e consistência programática, dada a eficácia demonstrada em programas intersectoriais duradouros, pelo que o compromisso dos projectos desenvolvidos deve ir além das agendas eleitorais.
Portugal apresenta baixos níveis e literacia em saúde, traduzindo-se em factor dificultador para a compreensão e, sequente, promoção e proteção da saúde da população, com todos os seus encargos associados sobre o Serviço Nacional de Saúde. Capacitar as comunidades para o autocuidado, para adopção de uma postura activa nos seus processos de saúde individual, familiar e social, implica dotá-la dos meios para a sua efectivação. Uma política autárquica ecossocialista emerge, assim, essencial.
A saúde deve ser vista como investimento e o paradigma salutogénico deve ser foco das políticas públicas, numa aposta clara na potencialização dos indivíduos, comunidades e recursos existentes, bem como no combate às desigualdades na saúde.
Os princípios e prácticas do movimento das cidades saudáveis, criado em 1992 pela Organização Mundial da Saúde, implicam uma alteração no desenho das políticas e nos modelos de governação, designadamente no que concerne ao planeamento sistemático, baseado na participação cidadã e centrado na abordagem dos determinantes ambientais, económicos e sociais da saúde, factores com importante influência na saúde individual e colectiva.
Pese embora o aumento das iniciativas promotoras da qualidade de vida e bem-estar das populações com implicação directa na saúde dos indivíduos e comunidades, verificado nas últimas três décadas, o envolvimento dos municípios ainda está longe de assumir uma expressão significativa no que concerne às matérias tradicionalmente classificadas como sector da saúde.
Intervir em saúde implica uma abordagem intersectorial, onde além da prestação de cuidados em si, dimensões como a habitação, o uso dos solos, a sustentabilidade ambiental, o planeamento e desenho urbanos, os apoios sociais (infância, vida adulta e terceira idade), os transportes e a mobilidade, a participação na/da comunidade, os espaços verdes, as oportunidades económicas e a educação, entre outros, são determinantes para uma resposta sustentada em vista à promoção de comunidades saudáveis. É, nesta medida que as autarquias podem, e devem, desempenhar um papel central, muito além da mera (e imprescindível, entenda-se) agenda reivindicativa face ao Governo central.
As políticas autárquicas devem incluir programas focados nas causas e determinantes de saúde e qualidade de vida, programas direccionados para problemas emergentes de saúde e/ou qualidade de vida, assim como programas que assumem ambas as abordagens, abrangendo grupos populacionais específicos (infância, adolescência, idosos, migrantes, mulheres, áreas rurais, pessoas portadoras de deficiência, etc.) e a comunidade em geral. Uma agenda autárquica deve conter programas de educação para a saúde, programas de promoção da equidade em saúde e de combate à exclusão social, bem como verter uma aposta clara num planeamento urbano sensível e sustentável, oferecendo infra-estruturas e espaços públicos socialmente sensíveis e integrativos, incentivadores de hábitos de vida saudáveis.
As autarquias locais têm um papel central na criação de ambientes saudáveis, organizados de modo inclusivo, promotores de redes solidárias e de apoio a estilos de vida saudáveis. Cabe às autarquias oferecer um ambiente físico acessível às necessidades da população e que apoie a saúde, a segurança, a mobilidade fácil, o lazer e o bem-estar da comunidade. Compreende-se, assim, que os programas sejam implementados nos diversos sectores implicados em cada município: famílias, jardins-de-infância, escolas, cooperativas agrícolas, centros desportivos, prisões, locais de trabalho, centros sociais, instituições científicas, ateliers, feiras, entre outros.
E porque a edificação de qualquer programa deve partir do conhecimento efectivo da realidade, cada município deve construir (e actualizar) um Perfil de Saúde da população (que inclua matérias como saúde mental, morbilidades, impacto do COVID, estilos de vida, etc.), uma Carta de Equipamentos da Saúde, um Plano de Desenvolvimento em Saúde e uma Carta Ambiental (qualidade do ar, níveis de ruído, espaços verdes, espaços de lazer, entre outros) como instrumentos de diagnóstico para o necessário levantamento de necessidades.
No âmbito das iniciativas e acções, importa incluir todos os actores sociais e instituições, no sentido da articulação e colaboração, construção de pontos de convergência e desenvolvimento de alianças, para que se potenciem os recursos existentes e a sinergia emerja robusta. A articulação dos sectores de saúde, cultural, académico, juvenil, social e empresarial resulta em parcerias dinâmicas e mais abrangentes, onde a diversidade de divulgação das iniciativas programadas assume particular relevância (folhetos/panfletos, boletins informativos, redes sociais, sites institucionais, imprensa local e regional, rádios, etc.).
Para as eleições autárquicas de 2021, em género de desafio às diferentes estruturas governativas locais, eis algumas propostas concretas: planeamento de ambientes saudáveis (rede de transportes diversificada, monitorização e correcção dos índices de poluição, aposta nos produtores locais, incentivo à agricultura auto-sustentável, educação ambiental, etc.), promoção da actividade física (redes pedonais, ciclovias, corredores verdes, programas gratuitos de promoção da saúde, redução ou isenção de tarifas no acesso aos equipamentos desportivos, agenda de caminhadas e percursos pedestres, etc.) realização descentralizada de rastreios médicos (saúde mental, doenças cardiovasculares, doenças oncológicas, visão, audição, VIH, etc.) e aconselhamento em saúde (vacinação, saúde sexual inclusiva, violência no namoro, prevenção das toxicodependências, doenças sexualmente transmissíveis, prevenção da obesidade e da obesidade infantil, promoção do aleitamento materno, apoio psicoterapêutico, etc.) e o desenvolvimento de políticas nutricionais (programas de avaliação e aconselhamento nutricional, fruta na escola e nos locais de trabalho, programas contra o desperdício alimentar, entrega de refeições a famílias carenciadas, criação de cozinhas comunitárias, promoção de produtos frescos locais, educação alimentar, fornecimento de informação nutricional em todos os restaurantes e cantinas, acesso a opções saudáveis e económicas, etc.).
