Todos os dias surgem novas e tristes notícias das crueldades que se cometem por esta ‘Europa da Paz’. Esta Europa que no dia 27 de janeiro assinalou 71 anos da libertação dos sobreviventes de Auschwitz. O fim de um regime que humilhou, torturou, confiscou e matou. Que cometeu das maiores atrocidades contra judeus, negros, ciganos, homossexuais, comunistas. Enfim, contra seres humanos.
Hoje, na Europa, erguem-se muros, militarizam-se fronteiras, obrigam-se refugiados a usar pulseiras e permite-se que o crime organizado rapte milhares de crianças para circuitos de escravatura, exploração e abusos sexuais. São menores não acompanhados que fogem da guerra e da miséria e, portanto, muito mais vulneráveis.
Imagino estes cenários e recordo a história d’ “O Rapaz do Pijama às Riscas”, de John Boyne, ou as palavras de Primo Levi em “Se isto é um homem”. Visualizo mentalmente cenas de tantos filmes que fizeram correr lágrimas nas salas de cinema e erguer estatuetas douradas em Hollywood. Está tudo lá: o arame farpado, a humilhação, a perseguição, o controlo e confisco de bens e documentos, os comboios apinhados com gente que só quer(ia) voltar a sentir-se gente e a fuga a todo o custo para escapar à morte.
O pensamento rodopia entre as imagens do Grande Ecrã e as que a comunicação social transmite agora. As primeiras retratam histórias verídicas do passado, quando o ódio permitiu uma nova guerra mundial. As segundas mostram-nos o presente da Europa. Espelham o crescimento do preconceito, do racismo, da maldade e da ignorância.
Pela Europa de hoje renascem e aumentam as políticas do medo e os governos autoritários. Multiplicam-se os relatos de episódios de violência de grupos nazis contra refugiados e imigrantes. Estigmatizam-se comunidades inteiras e minorias étnicas e religiosas. Permite-se que o terrorismo dê lugar a mais ódio e espalha-se a ideia que a guerra se combate com mais guerra.
Pelo meio vão ficando esquecidos os verdadeiros motivos dos conflitos mundiais e fecham-se os olhos ao financiamento e armamento de grupos terroristas.
É triste. A hipocrisia por um lado e a miséria por outro. A riqueza e o poder de uns e o sofrimento de tantos. E vai-me crescendo uma raiva por dentro. Eu, que nunca estive em Auschwitz sinto-o ganhar forças. Renasce disfarçado, dissimulado (ou talvez já nem tanto).
E é triste, muito triste, que a humanidade ainda não tenha aprendido a ser humana.
P.S. – Em 2012 foi atribuído o Nobel da Paz à União Europeia. Não concordei e confesso que passei a dar menos importância à distinção. Os anos que se seguiram deram-me razão. A União Europeia da Paz fechou e militarizou fronteiras, mas não tomou as medidas corajosas e necessárias com vista ao fim dos conflitos mundiais.
Recentemente tive conhecimento de uma petição online que defende a atribuição do Prémio Nobel da Paz ao solidário povo das ilhas gregas, que fez e continua a fazer todo o possível para ajudar refugiados. Agora sim, congratulo-me e subscrevo a iniciativa!
Crónica divulgada na Rádio Cruzeiro.