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Amarga como o vinagre

O debate sobre o futuro da Europa parece estar novamente em ebulição, agora que estão ultrapassados os atos eleitorais em França e na Alemanha.

Ainda não tinha assentado a poeira das eleições alemãs e já o presidente francês Emmanuel Macron discursava sobre a sua visão para a Europa. E do lado alemão, ainda sem definição quanto à formação do próximo governo, já vinha a anuência para as propostas adiantadas.

O processo já vinha de trás. No final de agosto, Emmanuel Macron reuniu-se em Paris com Angela Merkel, Mariano Rajoy e Paolo Gentiloni, respetivamente os chefes dos governos de Alemanha, Espanha e Itália. Os quatro rostos dos quatro países mais poderosos da União Europeia. O quarteto do poder deu mais uma demonstração clara do alinhamento dos fortes para impor a sua vontade a todos os outros países. Diz quem lá esteve que a democracia, a solidariedade, a participação e a cooperação na construção europeia terão ficado apenas nos livros de história ou de retórica da Sorbonne.

Contudo, nessa reunião os gigantes europeus apresentaram-se com pés de barro. Qualquer um dos líderes presentes se debate com problemas internos: Macron perde popularidade a cada dia que passa e já não há vestígios de qualquer estado de graça pós-eleitoral; Rajoy está em pânico com o processo catalão e extremamente fragilizado, dependente de uma maioria periclitante e assombrado pelos permanentes casos de corrupção; Gentiloni desespera por uma tática que permita a aprovação do Orçamento do Estado italiano para 2018; Merkel, que esperava uma disputa eleitoral no limbo das suas fragilidades, é agora confrontada com um xadrez político interno explosivo.

O concílio de Paris não concretizou muitas propostas, mas antecipou as tendências: a criação de um superministro das Finanças europeu, aumento do investimento militar para a repetida tentação de criação de um exército europeu e, déjà vu, novas (velhas) propostas para combater a crise de refugiados (mais variações à mesma tática batida de pagar para manter os refugiados longe das fronteiras europeias). Impulsionado por Rajoy e pelos trágicos acontecimentos de Barcelona, o tema do terrorismo foi também abordado. Mas foi, principalmente, a afirmação da visão política do eixo Merkron (Merkel-Macron), firmada em cima do abandono de qualquer perspetiva de mutualização da dívida.

De Paris, o destino europeu passou a ser jogado em Berlim. Só que o fim de semana trouxe um balde de água fria. Aos admiradores de Angela Merkel, a vitória foi amarga como o vinagre, com uma vitória de Pirro e um xadrez governativo de elevada complexidade. Não são os únicos, é verdade: a social-democracia chocou de frente com o limite da sua tática centrista e teve de encerrar temporariamente a loja para remodelação (não se sabe se da vitrina se muito mais profunda). E todos os democratas ficaram em sentido com o regresso da extrema-direita ao Parlamento alemão.

Estranhamente, a fuga em frente surgiu em França, com Macron a tomar a palavra para anunciar a sua visão europeia, apadrinhado pelo ainda poder dominante alemão. Só que o resultado é sempre o mesmo. A cada nova fuga para a frente, as propostas de aprofundamento da União Europeia surgem mais autoritárias, centralistas e antidemocráticas. Refundar a União Europeia aprofundando os caminhos que nos trouxeram ao desastre não apresenta saídas, só mais problemas.

A declaração de Macron clarificou as omissões do concílio de Paris. O caminho é mesmo mau: confirma a ideia de um exército europeu; maior redução da soberania orçamental aos países da zona euro; concentração desses poderes numa Comissão Europeia mais reduzida e ainda menos representativa; redução de direitos sociais; caminho para o dumping fiscal; etc. Mas a proposta mais simbólica do autoritarismo desta nova União Europeia é a da criação de uma Europa a várias velocidades, criando o grupo dos países ricos e relegando para o segundo plano os países mais pobres.

Pelo caminho, ficam as expectativas de que muitos criaram numa verdadeira refundação europeia depois das eleições alemãs, terraplanadas pela visão Merkron. António Costa que o diga. O primeiro-ministro sempre negou qualquer solução para a dívida pública nacional em nome da prudência antes de a Alemanha ir a votos. Que tem agora para apresentar? Virtualmente nada, ou não? É tempo de fazermos o nosso caminho para a reestruturação da dívida pública e não ficarmos sempre à espera do comboio na paragem do autocarro.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” a 28 de setembro de 2017

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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