Acabar com o tabu da violência obstétrica

porJessica Pacheco

08 de março 2023 - 23:40
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A 2.ª edição do inquérito “Experiências de Parto em Portugal” concluiu que três em cada dez mulheres afirmam terem sido vítimas de abuso, desrespeito ou discriminação, sendo as intervenções não consentidas as apontadas como a forma mais recorrente dessa violência.

Quando um casal entra num hospital para ter um filho, o que deseja é que seja uma experiência positiva.

Todas as experiências de parto são únicas e implicam abordagens individuais e uma condução respeitosa e informada de todo o processo. Isto fará toda a diferença na perceção dos casais em relação à sua experiência de parto.

A violência obstétrica pode vir na forma de insultos, humilhação, ausência de explicações, de respostas ou pela realização de procedimentos desaconselhados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como é o caso das episiotomias de rotina, a manobra de Kristeller ou o “ponto do marido”.

A episiotomia consiste num corte feito no períneo para ampliar o canal do parto; a manobra de Kristeller consiste na aplicação de pressão na parte superior do abdómen e o “ponto do marido” consiste num ponto que se faz ao término da sutura de uma episiotomia, com o objetivo de estreitar a área vaginal.

Há muitos nomes e formas que as mulheres deram, durante anos, à sua experiência menos positiva de parto, mas hoje é possível enquadrá-la nesta definição.

Nos Açores, não são divulgados dados relativos a episiotomias e manobras de Kristeller realizadas nos hospitais da região, mas através do estudo desenvolvido no âmbito do projeto IMAGINE EURO, que contou com a participação de 58 açorianas, ficamos a saber que mais de 75% foram sujeitas à manobra de Kristeller. Este mesmo estudo mostrou que 24,1% das açorianas considera não ter tido um tratamento digno e 13,8% afirma ter sofrido de abuso (físico, verbal ou psicológico).

A 2.ª edição do inquérito “Experiências de Parto em Portugal”, que contou com a participação de 81 açorianas, concluiu que três em cada dez mulheres afirmam terem sido vítimas de abuso, desrespeito ou discriminação, sendo as intervenções não consentidas as apontadas como a forma mais recorrente dessa violência.

Para além disso, na resposta a um requerimento do Bloco de Esquerda, foi possível conhecer queixas de violência obstétrica em dois hospitais da região, que foram desvalorizadas considerando que a “situação foi interpretada pela utente como violência obstétrica” e que existiu uma “divergência entre as expetativas da utente e a atuação da equipa clínica”.

Ou seja, fica claro o trabalho que tem de ser feito na região para se garantir que as experiências de parto são o mais positivas possíveis para os casais.

Por tudo isso, o Bloco de Esquerda avançou com um debate público sobre o tema e entregou no parlamento regional uma proposta para prevenir e erradicar a violência obstétrica na região, que inclui a realização de um estudo anónimo regional, o registo obrigatório por parte dos hospitais dos procedimentos realizados no parto, a implementação de inquéritos de satisfação às puérperas, a adoção de planos de parto institucionais, assim como campanhas de sensibilização e aposta na literacia em saúde materna e obstetrícia.

Mais do que apoios financeiros à natalidade, o que os casais desejam é que haja uma legislação e medidas protetoras da parentalidade, onde se enquadra também a proteção da mulher nas intervenções ginecológicas e obstétricas.

Jessica Pacheco
Sobre o/a autor(a)

Jessica Pacheco

Enfermeira e presidente da VegAçores-Associação Vegana dos Açores.
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