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40 anos da Constituição: Quando a defesa não é suficiente

Se devemos defender a Constituição com todas as nossas forças, também não é de somenos afirmar que a luta não se esgota na sua defesa.

A Constituição da República Portuguesa (CRP) fez no passado 2 de Abril quarenta anos. O conteúdo da CRP foi um resultado da derrota revolucionária com o golpe do 25 de Novembro, liderado pelo general Eanes. Mesmo derrotados, os trabalhadores conseguiram manter a pressão para que a CRP assumisse um traço social-democrata, em que o Estado Social foi uma das suas maiores conquistas. No entanto, a CRP de hoje não é totalmente igual à que foi votada e aprovada em 1976. PSD e PS, partidos que defendem os interesses da burguesia, por sete vezes se uniram para realizarem reformas constitucionais, diminuindo o Estado Social, passando o Serviço Nacional de Saúde de totalmente gratuito para “tendencialmente gratuito”, por exemplo, e tornando as nacionalizações revogáveis, dando o tiro de partida para a privataria. Só para dar alguns exemplos.

Nos últimos anos, a CRP esteve sob fortes ataques do Governo PSD-CDS. Governaram contra a lei fundamental do país e quem conseguiu colocar-lhes um travão foram os partidos à esquerda do PS e o Tribunal Constitucional. No entanto, se devemos defender a CRP com todas as nossas forças, também não é de somenos afirmar que a luta não se esgota na sua defesa. Pelo contrário, tem obrigatoriamente de ir mais além, ultrapassá-la nas reivindicações políticas, económicas e sociais. Focar a defesa na CRP como eixo estratégico para a luta pelo socialismo é assumir uma postura imensamente recuada. Por exemplo, 80% das medidas de austeridade aplicadas pelo anterior Governo não foram consideradas inconstitucionais. O foco exclusivo na CRP é estar logo à partida numa posição defensiva e de manutenção do status quo, quando para a defendermos é fundamental que passemos ao ataque, quer na rua quer no parlamento, mas principalmente na primeira.

Não é por acaso que o tema de uma nova reforma constitucional aparece na agenda política de tempos em tempos. A burguesia portuguesa não está de todo satisfeita com a atual CRP e tentará pelos meios que puder e lhe forem mais benéficos alterá-la, fazendo recuar ainda mais os direitos conquistados pela classe trabalhadora. PSD e CDS colocam a reforma constitucional na agenda política com o objetivo de sondarem a opinião pública e a liderança do PS. A última foi por causa da escolha do Governador do Banco de Portugal, mas é simplesmente uma forma de camuflar uma reforma constitucional bem mais alargada, a qual não se irá cingir à escolha do Governador. O Estado Social estará na linha da frente da reforma constitucional tão desejada. A oitava reforma constitucional não avançou até hoje simplesmente por o PS não ter ainda considerado benéfico para os seus interesses partidários. E se achar? Abre-se uma Caixa de Pandora. Deixar a defesa da CRP a uma decisão unilateral do PS é estar numa posição dependente, de enorme fragilidade. A História já nos mostrou que não se pode confiar no PS e no futuro iremos constatá-lo novamente. Não é se, mas quando.

A CRP baseia-se na ideologia social-democrata e não no socialismo que pretendemos. É um bom ponto de partida para a luta, mas não se esgota nela. É preciso ir mais além, defendendo um programa político mais avançado que coloque o sistema capitalista realmente em causa, que não se cinja a chavões que nada dizem. Isto não se fará com enfoque exclusivo no parlamento, mas nas ruas com os movimentos sociais. O parlamento deve estar subordinado à rua e não o oposto.

A luta focada exclusivamente no parlamento está fadada a falhar, excepto se o objectivo for exclusivamente eleitoralista. Mais votos e menos movimentos sociais; mais mediatismo e menos participação de quem realmente interessa. Por esta via não se alcançará o socialismo, mas simplesmente a fiel gestão do sistema capitalista, da exploração e da opressão, mesmo que camuflada com chavões socialistas.

Sobre o/a autor(a)

Mestrando em Ciência Política
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