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As “indústrias criativas”
Pela soleníssima mão do Senhor Presidente da República, as «indústrias criativas» ganharam uma aura de salvação nacional, particularmente para a Região do Porto, enquanto guarda avançada de uma «nova economia» baseada na cultura, no simbólico e no imaterial. Convém lembrar, no entanto, que esta retórica e frenesim do «criativo» encontra as suas raízes numa série de pensadores, com Richard Florida e os seus best sellers (The Rise of the Creative Class, Cities and the Creative Class, and The Flight of the Creative Class) à cabeça, levando ao Olimpo noções tão ambíguas e ideológicas como «talento», «empreendedorismo», «clima criativo», cidades criativas»; etc.
Na verdade, este novo magma tem servido de legitimação a novos processos de filtragem e recomposição social dos territórios urbanos (processo conhecido por «gentrificação» - do inglês «gentry», pequena nobreza; regeneração; renascimento; nobilitação, etc.) em que os intermediários culturais (também designados de «boémia») surgem como pioneiros de um processo de competição brutal entre os usos da cidade, com comprovados prejuízos para as classes populares, num novo refluxo/expulsão para os subúrbios mais precários.
Primeiro chegam as galerias, a moda, os bares, o design, o comércio de «charme», habitualmente com um toque «retro», os restaurantes gourmet. Mais tarde, o soft dá lugar ao hard: inflação e especulação imobiliária, grandes equipamentos e complexos habitacionais de luxo, condomínios fechados, parcerias público-privadas para a «reabilitação» dos espaços públicos...
De onde conhecemos tudo isto? Das nossas cidades, claro. Suponho que a demolição do Aleixo, no Porto, há-de caber no criativo.
Comentários
Indústrias Criativas
O respeito que tenho pelas opiniões do João Teixeira Lopes não impede que afirme aqui uma total discordância face a este seu artigo.
Primeiro pela análise simplista que ele aqui apresenta e que contradiz a estruturada reflexão que costuma oferecer-nos. As Indústrias Criativas não são a salvação nacional mas, como o JTL bem sabe, estão associadas aos sectores mais dinâmicos da economia, contribuindo para a criação de empresas e empregos, especialmente de jovens licenciados. São sectores económicos diferentes de outros, mais informais, mais ágeis e flexíveis, que funcionam em redes e que procuram os espaços urbanos. O facto do Presidente da República falar nisto é mau? Prefere ver os nossos licenciados a fugir da cidade e do país?
Segundo, porque a regeneração das cidades exige a atracção de novas actividades e competências e, no caso do Porto, esta exigência atinge níveis de dramatismo. As únicas actividades que têm contribuídos para a ocupação das dezenas de milhar de fogos desabitados e em ruína, designadamente no centro histórico, são as actividades criativas, o turismo e o lazer. Infelizmente ainda muito poucas face à enorme necessidade da cidade. Seria excelente que muitos mais investidores participassem neste processo. E todos são poucos. Como o JTL bem sabe, só economias suportadas em sectores privados fortes (como as escandinavas) podem manter estados sociais justos.
O JTL defende o quê? Que se aumente o IRS para 90% para que o Estado mantenha rendas de um euro em casas a cair, impedindo um verdadeiro mercado de reabilitação? Ou prefere conviver com com esta ruína social, física e económica que se vive na cidade? Incomoda-o o facto do Presidente da República colocar este assunto na agenda política? Agitar o fantasma da gentrificação demonstra-o.
Que venham muitos líderes políticos (de todos os partidos) valorizar o esforço que esta região está a fazer contra um destino que o centralismo quer que seja de mendicidade.
Se valorizarmos as competências da região e nos deixarmos de sectarismos talvez compreendamos a oportunidade que temos pela nossa frente. Se não, continuaremos a deixar que outros tentem fazer crer que sermos a região mais pobre da Europa é o nosso fado.
Eu não alinho neste fatalismo.
Ass: Carlos Martins
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