A Esquerda Checa é Pirata

porRui Curado Silva

28 de outubro 2017 - 10:28
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Já há largos anos que havia sinais de rebeldia e um espaço de inconformismo na sociedade checa entre os meios mais urbanos. O Partido dos Piratas foi o primeiro partido de esquerda alternativa a ocupar esse espaço, obtendo um resultado espetacular.

Durante o mês que precedeu as eleições legislativas na República Checa, gerou-se na opinião pública checa a expectativa de um grande resultado da extrema-direita xenófoba de um curioso empresário checo-nipónico, Tomio Okamura, uma extrema-direita nacionalista, anti-imigração, anti-islão, antieuropeísta e populista.

No entanto, a maior surpresa foi o terceiro lugar, com entrada de 22 deputados para o parlamento, do Partido Pirata Checo. Desde o fim do regime sob tutela soviética, foi a primeira vez que um partido das esquerdas alternativas obteve um grande resultado na República Checa. Este resultado é tanto mais relevante sabendo a força e a implantação que as ideias neoliberais tiveram no país, especialmente durante a presidência de Vaclav Klaus. O Partido Social Democrata, checo envolvido em escândalos de corrupção e praticando políticas que pouco se distinguem da direita, afundou-se politicamente, passando dos 20% para 7%. O Partido Comunista Checo, um partido extremamente conservador e que frequentemente alinha com direita, em particular na opção pelo nuclear e no discurso antieuropeísta desceu de 15% para 8%. Os Piratas checos passaram a ser o maior partido de esquerda do país.

O Partido Pirata Checo (Česká Pirátská Strana) combate os monopólios dos gigantes da informática e da internet (Apple, Microsoft, Google, Amazon, etc.), defende a utilização de software livre, o reforço do acesso aos serviços públicos pela internet (e-government), pugna pelo reforço de processos de democracia direta (petições, referendos, etc.) bate-se pela transparência e pelo combate à corrupção e aos paraísos fiscais. O programa dos piratas checos inclui também um rol de medidas em defesa dos direitos cívicos e de desenvolvimento do comércio eletrónico, do pequeno comércio e do comércio de circuito curto, menos poluente. No Parlamento Europeu, o único deputado de partidos piratas é a alemã Julia Reda, integrada no Grupo dos Verdes Europeus.

Já há largos anos que havia sinais de rebeldia e um espaço de inconformismo na sociedade checa entre os meios mais urbanos, ligados à cultura, à ciência e às artes, entre algumas dessas manifestações mais mediáticas estão as obras do escultor David Černý caricaturando a política de Vaclav Klaus. O Partido dos Piratas foi o primeiro partido de esquerda alternativa a ocupar esse espaço, obtendo um resultado espetacular. Espera-se agora que não desiluda o eleitorado e que a esquerda comece finalmente a ganhar terreno ao neoliberalismo que ainda domina a República Checa, agora pela mão do empresário Andrej Babiš, vencedor das eleições pelo ANO, um oligarca proprietário de várias cadeias de televisão envolvido em diversos escândalos de corrupção.

Rui Curado Silva
Sobre o/a autor(a)

Rui Curado Silva

Investigador no Departamento de Física da Universidade de Coimbra
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