A democracia local pode estar ameaçada

porMaria do Carmo Bica

28 de setembro 2017 - 15:57
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É urgente fazer o debate sobre a forma de contrariar a escalada de degradação da qualidade da democracia que vem associada, em muitos casos, a elevados níveis de falta de transparência.

No próximo dia 1 de outubro haverá eleições para os órgãos autárquicos dos municípios e das freguesias.

É assim desde o 25 de Abril. O Poder Local é conquista de Abril, é frase batida. É verdade, o poder local democrático é conquista do 25 de Abril. Com ele veio desenvolvimento, estava tudo por fazer. Abriram-se estadas para as aldeias das serras, levou-se eletricidade a todos os povoados, construíram-se redes de saneamento básico e de abastecimento de água. Passou a valorizar-se a cultura e o desporto com base em regulamentos, em vez da tradicional discricionariedade e compadrio. Alguns concelhos, deram passos no sentido da industrialização e da criação de emprego. O Poder Local de Abril foi de facto importante para criar bem-estar para as populações.

Nas cidades foi tempo marcado pelo fim dos bairros de lata. Foram construídas habitações para as pessoas viveram com um mínimo de dignidade. Foi tempo de explosão cultural. Os bairros, assim como as aldeias ganharam nova vida.

Quarente e três anos depois há que reconhecer que a esta fase de trabalho intenso se seguiu um longo período de declínio da qualidade da democracia local em diversos municípios. A mesma legislação que permite um Poder Local democrático e transparente tem permitido também a instalação de poderes presidencialistas, opacos e clientelares. A par disto, a ausência, em muitos municípios, de órgãos de comunicação social independentes dos poderes instalados e o facto da grande maioria da oferta de emprego vir do município são factores que concorrem para a diminuição da cidadania e da democracia local. O que torna muito difícil um partido que não esteja claramente a disputar a presidência, eleger vereadores ou mesmo deputados municipais.

No interior despovoado estes problemas assumem maior gravidade. Este ano, várias são as freguesias onde o Presidente da Junta é “eleito” antes do dia das eleições por falta de alternativas, só uma lista concorre aos órgãos da freguesia.

Considero que é urgente fazer o debate sobre a forma de inverter estas lógicas, o que deve ser alterado de forma a contrariar esta escalada de degradação da qualidade da democracia que vem associada, em muitos casos, a elevados níveis de falta de transparência.

A par da democracia é necessária também uma viragem clara no sentido de os municípios adotarem políticas de promoção do desenvolvimento económico e social. Sem desenvolvimento económico não será possível criar emprego para garantir salários que permitam qualidade de vida às populações e, no caso dos municípios do interior, contribuírem para travar a escalada do despovoamento.

Uma nova geração de políticas autárquicas é urgente, com base na participação, na cidadania, no aprofundamento da democracia local, na defesa do ambiente, da paisagem e da biodiversidade, inclusiva, amiga das crianças, dos idosos e das mulheres.

Uma política capaz de tornar os territórios atrativos para os que neles habitam e para os que procuram novas paragens.

Maria do Carmo Bica
Sobre o/a autor(a)

Maria do Carmo Bica

Engenheira agrícola, presidente da Cooperativa Três Serras de Lafões. Autarca na freguesia de Campolide (Lisboa). Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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