Socialismo 2008: dos biomateriais na medicina à Europa que temos

30 de agosto 2008 - 0:00
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A primeira manhã do Socialismo 2008 foi preenchida com debates sobre Educação, políticas urbanas, ambiente e jornalismo. À tarde, Miguel Portas falou da Europa de hoje, das suas políticas de imigração e dos conflitos que lhe estão próximos.

 



Os debates arrancaram às 10h30 com Fernando Jorge Monteiro a apresentar a importância actual dos biomateriais - metais, cerâmicos e polímeros - em aplicações na medicina e equiparou a investigação nesta área da medicina regenerativa à da genética, no que respeita ao potencial de ambas no "grande salto futuro da medicina", prevendo-se mesmo que o investimento nos EUA na medicina regenerativa nos próximos 15 anos seja semelhante ao valor dos medicamentos consumidos naquele país.



As aplicações dos biomateriais vão desde os implantes mamários, à reconstrução maxilofacial, às lentes intra-oculares, próteses e muitos outros. "Muitos destes materiais são hoje utilizados para reconstituir partes do nosso corpo" e o seu desenvolvimento permite aplicações mais eficazes do que há alguns anos.  A possibilidade de induzir um órgão do corpo humano a reconstruir-se traz soluções novas para problemas de saúde óssea, do fígado ou os diabetes, afirmou este catedrático de engenharia dos materiais da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.



Na sessão sobre o "Espaço Europeu de Educação: Mercado ou Cosmopolitismo", Fátima Antunes criticou a falta de democracia e discussão pública que pautaram a assinatura da declaração de Bolonha e a sua aplicação em cada país. A oradora sublinhou que "tudo foi feito com uma informalidade que escapa ao controlo democrático", como se de decisões técnicas se tratassem, "apesar de serem decisões políticas". E esclareceu também que uma das referências do processo de Bolonha continua a ser o Acordo Geral de Comércio e Serviços da OMC.



Censurando a inspiração mercantil e não democrática do processo de Bolonha, a professora do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho não deixou contudo de valorizar as vantagens de se investir num verdadeiro projecto cosmopolita, com intercãmbio académico e cultural entre professores e estudantes de toda a Europa.



No debate "Educação e Exclusão", Luísa Cortesão, presidente do Instituto Paulo Freire, apresentou as estatísticas que colocam Portugal como o segundo país da Europa com a maior taxa de abandono escolar precoce (38%), só ultrapasado por Malta (40%). A oradora enumerou múltiplas formas de exclusão escolar hoje existentes e preconizou a urgência de uma escola que atenda à diversidade cultural e às diferenças dos alunos, contra um ensino feito à medida do aluno da classe média ou alta.  



Luísa Cortesão denunciou ainda o "papel perverso dos rankings", até porque há escolas privadas que seleccionam à partida os alunos com base em testes de QI e indicadores económicos.



Jornalismo e manipulação da informação



O jornalismo e a manipulação da informação foi o tema da apresentação de Daniel Oliveira, que apontou a recente onda mediática sobre criminalidade e a cobertura das medalhas (ou da falta delas) da delegação portuguesa dos Jogos Olímpicos como exemplos de duas narrativas alimentadas pela televisão nas últimas semanas e de como o discurso dominante foi legitimado pela informação.



Daniel Oliveira defendeu que o poder da imagem, em casos como os da Quinta da Fonte ou do assalto ao BES, tem todos os condimentos essenciais para o entretenimento televisivo que pode ser alimentado dias ou semanas a fio. Os colunistas e comentadores "repetem o senso comum" e esse discurso dominante legitima a continuação do tratamento do tema com o maior destaque na televisão e propaga-se rapidamente aos restantes órgãos de comunicação.  



O papel dos jornalistas torna-se assim ao mesmo tempo o de manipulador e manipulado: "Manipulam as nossa consciências, mas não têm o poder para alterar o discurso dominante, apenas o repetem". Para o blogger e jornalista, "esta ética do entretenimento é mais forte que o interesse comercial pelas audiências", porque invade toda a comunicação, seja nas aulas escolares ou no discurso político, usando técnicas para evitar que se possa tornar aborrecido para quem o ouve.



"O resultado deste processo mediático é que conduz à decisão política", como se viu nas reacções de governo, presidente, procurador e polícia à onda mediática do crime violento, quando as estatísticas mostram que esses crimes não acontecem mais nos dias de hoje do que há dois ou três anos. "Mas há alturas em que o processo faz curto-circuito, como aconteceu com as medalhas olímpicas".  



Depois de alimentarem a crítica "à falta de disciplina" dos atletas portuguesas, a conquista de uma medalha de ouro veio inverter tudo e até a atleta que no meio dessa onda mediática tinha sido levada a criticar o empenho dos companheiros, acabou por ser ela própria o alvo das críticas pelos que mais se tinham destacado em atacar o desempenho da comitiva. "A passagem da depressão à euforia de forma rápida" é outro dos sintomas da "ética do entretenimento". Daniel Oliveira disse mesmo que "hoje não há verdadeira escolha para os consumidores de informação nos canais generalistas", dada a semelhança do tratamento e a omnipresença do discurso hegemónico.



O descrédito da informação televisiva nos EUA durante a presidência de Bush foi o mote para Jorge Campos apresentar o tema do documentário político nos EUA. A partir de excertos de vários filmes, o realizador mostrou que existe cada vez maior interesse da sociedade por este género cinematográfico, ao que não terá sido alheio o comportamento do jornalismo televisivo na cobertura da guerra do Iraque e do fabrico da aceitação dos motivos dessa guerra por parte dos norte-americanos com base em elementos que se provaram falsos.



"Como estamos de Europa?"



A tarde de debates do Socialismo 2008 em painéis simultâneos foi interrompida por uma sessão comum para todos os participantes. "Como estamos de Europa?" foi o tema da apresentação de Miguel Portas, que começou por apontar as políticas erradas quanto à imigração



"Existem mais de 200 milhões de migrantes no Mundo, e destes mais de 50 milhões na Europa. A grande maioria chegou à Europa como os portugueses chegaram a França ou à Alemanha nos anos 60" e o fenómeno da imigração não abranda por causa das políticas repressivas nos países de destino. Para o eurodeputado bloquista, a UE está a investir "barbaridades de dinheiro" em planos de repressão e deportação de imigrantes, planos que só afecta uma percentagem ínfima da imigração para a Europa. As péssimas condições nos centros de detenção (como em Lampedusa ou no aeroporto de Bruxelas) para imigrantes são outro dos elementos duma política que, para Miguel Portas, não tem futuro.



O conflito armado entre a Geórgia e a Rússia, bem como os planos norte-americanos de instalar o escudo anti-míssil no leste da Europa são outros exemplos do fracasso da Europa enquanto portadora de uma política de paz. "O atlantismo não responde aos problemas da paz, só aos da guerra. A Europa deve ser o espaço político para iniciativas de paz, e por isso é necessário o fim das bases militares estrangeiras". A tensão política criada com a construção do escudo anti-míssil "está a criar uma nova linha divisória, que recordamos de outros tempos, e com os perigos que isso necessariamente comporta", afirmou o eurodeputado.



"Somos a favor da dissolução da NATO e por uma política de segurança mundial que seja capaz de poder atacar as verdadeiras causas das guerras: a pobreza, e os efeitos das alterações climáticas sobre uma fatia cada vez maior do planeta", afirmou Miguel Portas, assegurando que esta proposta definirá o programa das esquerdas nas eleições europeias de 2009.



Miguel Portas fez também críticas ao Orçamento da UE e disse não compreender "como é que pode haver federalistas que defendem um orçamento federal que afinal representa menos de 1% da riqueza criada na UE"?



Recuando no tempo algumas décadas para o início do projecto europeu, Miguel Portas recordou que o motor da Europa foi o mercado e os grandes grupos económicos, que desenvoveram o capitalismo no contexto do mercado interno. Com Maastricht há o momento da clivagem e os responsáveis são os governos socialistas, já que eram 14 em 15. "Agora há cada vez mais gente a perder, com a globalização dos mercados. E a parte do mercado que não aguentou a globalização, exige políticas proteccionistas, afirma o deputado".



"O problema da esquerda é saber se, tendo a Europa perdido este motor, que outro motor é que vamos lá pôr". Um motor que assente no combate social e organizado à precarização do trabalho tem de ser internacional para abalar a relação de forças, concluiu o deputado.

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