Governo quer deixar a RTP no osso

porCecília Honório

13 de February 2014 - 18:27
PARTILHAR

Há uma orientação do Governo que se mantém: a asfixia financeira e a ameaça sobre os profissionais. É assim com a RTP, é assim com a Lusa, onde o Estado é acionista maioritário.

A caminho dos três anos deste Governo, e 2 ministros depois, os compromissos do Estado com a comunicação social, eixo da democracia, continuam no limbo. Não é desnorte, é opção ideológica de uma visão minimalista de Estado. Mas há uma orientação que se mantém: a asfixia financeira e a ameaça sobre os profissionais. É assim com a RTP, é assim com a Lusa, onde o Estado é acionista maioritário.

Não estamos a falar de nada mais nem nada menos do que do direito de cada cidadão, que paga os seus impostos, a ter um serviço de rádio e televisão qualificados, e uma agência noticiosa capaz de responder aos seus compromissos, também no plano internacional. A Constituição protege estas garantias, o Governo desvaloriza-as.

Foi assim que nos últimos dias assistimos ao empurra com a barriga entre a tutela e o presidente do Conselho de Administração da RTP. À falta de projetos credíveis, importa-se o modelo de governo BBC, e como se a governamentalização do mesmo não fosse uma ameaça real. Mas logo o presidente do Conselho de administração denuncia: o risco é o do controlo pelo CGI e da representação dos interesses no seu interior, alertando para o risco dos “pavões” (e não era autocrítica).

Ao subfinanciamento crónico da RTP, o Governo respondeu com o fim da indemnização compensatória e o aumento da CAV: pôr os contribuintes a pagar duas vezes é considerado pela tutela reforço da transparência do financiamento. Mas nem sobre isto Alberto da Ponte e Poiares Maduro se entendem: o Ministro diz que o valor da CAV (2,65 euros) foi o sugerido pelo Conselho de Administração para a consecução do Plano de Desenvolvimento e Reestruturação da empresa; o Presidente do Conselho de Administração diz o contrário - a tutela definiu o valor, à revelia das suas recomendações e da carta da UE de Radiodifusão.

Enquanto a Administração pode gastar quase 1 milhão de euros em estudos sobre a privatização da RTP, quase 700 mil euros em assessorias e 64 mil euros com assessoria de imprensa (e para quê?), os trabalhadores das RTP estão entre a espada e a parede: ou externalização dos serviços, ou despedimento coletivo, ou “saídas amigáveis”, que para os mais velhos podem ser piores do que se fossem despedidos. O Plano de Saídas Voluntárias anunciado faz o milagre de reduzir o tempo de serviço: quem trabalhou 40 anos na RTP contabiliza 14 anos na folha de excel (caloteiros até nos despedimentos).

Enquanto os profissionais da RTP vivem a ameaça diária de não terem trabalho no dia seguinte, o Presidente do Conselho de Administração da RTP pode falar sem pejo dos “trabalhadores que não fazem puto” e anunciar escolher “o que o cidadão quer da RTP”. É o serviço público "à la carte”, sem rumo nem estratégia. Refém de uma lógica comercial, que cada vez menos se distingue das outras televisões generalistas, fica por saber quanto é que cada contribuinte vai pagar pelo exclusivo do mundial de futebol.

Onde a fatura poderia ser partilhada pelos 3 canais, com o mesmo resultado para os espetadores, mas muito mais em conta para as contas da RTP, o Governo vê uma forma de esconder o vazio da sua ideia de serviço público. E se para o Mundial há dinheiro, já não há dinheiro para a ficção nacional ou para promover documentários, há zero encomendas a produtores independentes de assuntos de interesse para o país, e que não têm lugar em mais nenhum canal. É o grau zero da ideia de televisão, é o vazio como serviço público, é a nulidade como alternativa de programação.

O mesmo Ministro que se comprometeu a resolver a dívida do fator de correção com a Lusa, de quase 1 milhão de euros, é o mesmo que empurra para o Tesouro que diz que não paga. A Lusa tem a sua rede de correspondentes ameaçada, e extremamente precarizada, e está hoje em risco de cortar salários a pelo menos 22 profissionais. Como se não chegasse, fica a suspeita da sua fusão com a RTP ou, pior ainda, de vir a ter, no futuro - e cumprindo a tradição por via do privado mais poderoso, a Controlinveste - o senhor Mosquito como presidente do seu Conselho de Administração.

Não é desnorte nem falta de dinheiro - o dinheiro aparece para o exclusivo mais caro de que há memória, ou para os estudos sobre a privatização da RTP - é querer deixar a RTP no osso, é desvalorizar os direitos constitucionalmente protegidos do serviço público de rádio e televisão.

Declaração Política na AR a 13 de fevereiro de 2014

Cecília Honório
Sobre o/a autor(a)

Cecília Honório

Dirigente do Bloco de Esquerda, professora.
Termos relacionados: