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Desigualdade salarial entre homens e mulheres: o que dizem os números?

A discriminação a que a mulher é sujeita em toda a sociedade tem também expressão no mercado laboral com a desvalorização do trabalho da mulher.

No passado dia 1 de novembro celebrou-se o Dia Nacional da Igualdade Salarial entre homens e mulheres e, por isso, vale a pena ler os dados do relatório do Progresso da Igualdade entre Mulheres e Homens no Trabalho, no Emprego e na Formação Profissional coordenado pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego relativamente ao ano de 2016. A situação é alarmante.

Os dados do relatório sobre a estrutura do mercado de trabalho em Portugal dizem-nos que, face ao ano anterior, nada mudou: as mulheres estão menos presentes na população ativa; elas representam 48,7% da população empregada apesar da entrada de mais 29,4 mil mulheres no mercado de trabalho, mais duas mil que no caso dos homens.

É interessante que se tenha verificado um aumento do nível de escolaridade em toda a população, com 32,9 mil mulheres licenciadas a entrar no mercado de trabalho, mais 3,3 mil do que os homens. Aliás, apesar do peso desproporcionado das mulheres em certas actividades, como a saúde ou o apoio social (82,4%) ou a educação (76,7%), o número de mulheres aumentou consideravelmente em atividades tradicionalmente associadas aos homens, como a consultoria científica ou técnica.

As mulheres estão cada vez mais presentes nas profissões altamente qualificadas. A representação das mulheres cresceu significativamente no grupo dos representantes políticos e gestores de topo (+11,1 mil pessoas), mas a assimetria nos cargos de direção nas empresas continua a ser enorme com apenas uma mulher em cada dois homens a ocupar esse posto.

Mediaticamente, os rendimentos são sempre mais escrutinados porque, de facto, a desigualdade é gritante: a diferença salarial média do ganho entre homens e mulheres em 2015 era de 20%.

A situação não é igual para todas as classes de rendimento: nos salários mais baixos a diferença é de cerca de 5%, mas nos salários dos “quadros superiores”, tipicamente acima da média, a diferença chega quase aos 30%. Acontece o mesmo se observarmos por níveis de escolaridade: a diferença de ganho entre homens e mulheres com escolaridade baixa é de 18%, aumentando para os 30% para quem tem formação superior.

A contradição é enorme: as mulheres estão hoje em maioria nas universidades e há cada vez mais mulheres com formação superior no mercado de trabalho, mas os seus salários são muito menores do que os dos homens nas mesmas condições e não conseguem aceder a cargos de chefia. Elas confrontam-se com uma barreira invisível e intransponível.

Da mesma forma, não é uma coincidência que as mulheres estejam mais presentes em setores como a saúde, os serviços sociais ou a limpeza onde o rendimento médio é menor. Pelo contrário, esses setores têm rendimentos menores porque há uma predominância das mulheres nesses setores.

O que acontece é que o trabalho das mulheres é desvalorizado, não lhes permitindo progredir na carreira ou mesmo receber o mesmo pelo mesmo trabalho dos homens. Ou seja, a discriminação a que a mulher é sujeita em toda a sociedade tem também expressão no mercado laboral com a desvalorização do trabalho da mulher.

As razões para esta desigualdade são bem conhecidas: são as mulheres que têm a função de tratar da casa e do apoio à família e às crianças, o seu salário e carreira depois de serem mães nunca volta ao nível dos homens e muitos empregadores, que são na maioria homens, não valorizam tanto nem dão tantas oportunidades de carreira às mulheres.

É de notar que nos rendimentos mais baixos a situação não é tão grave e isso tem que ver com políticas concretas como o aumento do salário mínimo, cujas subidas tornam os salários mais baixos mais igualitários. Elas também estão mais presentes nos salários mais baixos e, por isso, a taxa de mulheres a receber o salário mínimo é 10 pontos percentuais mais alta do que a dos homens.

A igualdade entre homens e mulheres é essencial para uma sociedade justa, mas no mercado de trabalho conseguem-se observar expressões da enorme disparidade que existe entre os géneros no Portugal de 2017. O mercado deixado livre a funcionar exacerba estas desigualdades, pelo que só com políticas públicas podemos ambicionar fechar o abismo que existe entre homens e mulheres no mercado de trabalho e em todas as esferas da vida.

Essas políticas, feministas, igualitárias, estão presentes no debate público: como o aumento do salário mínimo, as quotas para os órgãos de gestão e políticos, a divulgação de listas negras das empresas com desigualdades mais acentuadas, o alargamento das licenças de maternidade, o alargamento e obrigatoriedade das licenças dos pais, a proibição do despedimento das mulheres grávidas ou a proteção contra o assédio moral e sexual de colegas e chefes.

O que os números nos dizem é que ao ritmo atual o mundo vai precisar de 118 anos para acabar com as desigualdades salariais entre homens e mulheres, por isso, precisamos de assumir essas políticas públicas feministas para construir essas pontes muito mais rapidamente.

Ver relatório aqui

Artigo publicado em jornaleconomico.sapo.pt a 20 de novembro de 2017

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro e mestre em políticas públicas. Dirigente do Bloco.
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