Há todos os dias cerca de 500 mil crianças e jovens que comem na cantina. Em muitas escolas a comida é pouca e é má. Só este ano já chegaram à Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares mais de 70 queixas sobre a qualidade e a quantidade da comida. Multiplicam-se as famílias que, neste cenário, optam por fazer uma merenda. Nas escolas, adensam-se as filas não apenas para a cantina, mas para o microondas onde se aquece o farnel trazido de casa. Mas há também os que não podem levar a comida de casa, porque não têm como: e esses são, normalmente, os que têm na refeição escolar a único prato quente do dia.
Porque é que isto aconteceu? Essencialmente, por uma escolha política. Não é que as cantinas fossem sempre, no passado, um exemplo. Mas a partir do momento em que se decidiu que as escolas deixariam de ter cozinheiras e que se iria transformar as refeições escolares num negócio, entregue a grandes empresas que competem pelo menor preço, a degradação instalou-se.
Dos 1.148 refeitórios escolares, quase 800 foram adjudicados nos últimos anos à Uniself e à Ica, dois gigantes privados do setor. São 167 milhões de euros que o Ministério da Educação paga a estas empresas em cada ano. As refeições são fornecidas a um preço muito baixo: entre €1,18 e €1,47. Com esse dinheiro, as empresas pagam os ingredientes, a confeção, os trabalhadores, o transporte e ainda retiram a sua margem de lucro. Está-se mesmo a ver o que acontece: os ingredientes não podem ser bons, a quantidade não pode ser aceitável e os salários pagos a quem cozinha são os mais baixos possíveis. Os resultados são maus para toda a gente: para as crianças e jovens, para as escolas e para os trabalhadores. E criam um verdadeiro problema de saúde pública.
A escola Teixeira Lopes, em Gaia, onde fiz o 5º e o 6º ano, é uma das muito poucas que resiste. No concelho, é mesmo a única que gere a sua cantina e o respetivo pessoal. E toda a gente diz o mesmo: nota-se a diferença. Tem cozinheiras (como tinha quando lá andava), pode gerir a quantidade que serve (nem todos comemos o mesmo, e alguns até precisam de repetir), é melhor para os alunos e as famílias sentem-se tranquilas. Em algumas escolas que conseguiram manter as suas cantinas, faz-se da relação com a comida um tema de aprendizagem e de conhecimento, com hortas escolares e o envolvimento dos estudantes na discussão dos menus e dos regimes alimentares, a aquisição de produtos locais de qualidade e a preços justos. Está certo: nós somos o que comemos e o que se investe na alimentação é o que se poupa em problemas de saúde e em mal-estar.
E é aqui que está o cerne da questão. A decisão política que impediu as escolas de contratar cozinheiras e que transformou as cantinas num negócio lucrativo, em que grandes empresas competem pelo menor preço, foi um desastre e está a sair-nos muito cara no essencial: a qualidade e o bem-estar. Que haja nas nossas escolas crianças que passam fome ou a quem se dá comida que nenhum de nós comeria é inaceitável e é um perigo. Já é tempo de falarmos seriamente dele e de fazermos alguma coisa sobre isto.
Artigo publicado em expresso.sapo.pt a 27 de outubro de 2017