Se não agora, quando?

porJosé Soeiro

A primeira intervenção que fiz no Parlamento, no final de 2007, foi sobre a violência nas praxes. Seis anos depois, esse exercício de poder e a impunidade continuam a ser a regra, se não dentro, à porta das Universidades.

09 de February 2014 - 4:09
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A 13 dezembro de 2007, José Soeiro estreou-se no parlamento com propostas para travar a violência e a impunidade das praxes.

A primeira intervenção que fiz no Parlamento, no final de 2007, foi sobre a violência nas praxes. Era notícia nesse dia que um estudante da Escola Superior Agrária de Coimbra tinha ficado paraplégico, na sequência da praxe que lhe fizeram. A escola lamentou o ocorrido, o Ministro apelou à responsabilidade das instituições e, aparentemente, tudo se preparava para ficar na mesma até ao próximo acidente. Tinha sido assim com casos anteriores. Em 2003, com Ana Sofia Damião, obrigada a despir-se e a vestir-se novamente, com a roupa interior por fora, forçada a simular orgasmos e relações sexuais com colegas, e a quem, perante a denúncia, a direção do Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros repreendeu por escrito, condenando-a «pela forma subjetiva e excessiva como relatou os factos». Ou, no mesmo ano, com Ana Santos, do Politécnico de Santarém, esfregada com bosta e insultada e que, perante a denúncia, ouviu do presidente do Conselho Diretivo da sua instituição de ensino que também ele tinha recebido «bosta no corpo» nos seus «tempos de estudante» e que essa era uma tradição da escola. Ou com Diogo Macedo, da Universidade Lusíada, que morreu na sequência de uma praxe em 2001 e cujo processo judicial, movido pela mãe, foi arquivado por falta de provas.

O debate lançado na Assembleia da República nessa altura partia de um pressuposto: estas práticas existem porque há um sistema de poder que as sustenta. Elas banalizam-se com a nossa complacência, a cumplicidade das instituições, o encobrimento dos responsáveis políticos, a ridicularização de quem tem a coragem de denunciar as agressões.

O Parlamento resolveu então fazer um relatório sobre o assunto, a partir da proposta do Bloco de Esquerda. Enviámos cartas a todas as escolas e associações de estudantes com um inquérito sobre as práticas de praxe e o seu enquadramento. Recebemos respostas e ideias de quase 40 instituições. Analisámo-las. E apresentámos na Comissão de Educação três propostas concretas: criar uma linha telefónica nacional e gratuita para alerta, denúncia de violência nas praxes e atendimento dos estudantes; criar equipas de acompanhamento psicológico e jurídico dos que quisessem avançar com denúncias; que os órgãos diretivos das escolas assumissem uma postura que não legitimasse as práticas de praxes violentas, nomeadamente não integrando nas cerimónias oficiais de apresentação da escola (sessões de recepção ao novo aluno, cerimónias de abertura oficial do ano letivo) representantes de organismos paralelos e não eleitos, como as comissões de praxe. Por último, propusemos um texto concreto de um folheto informativo simples, que deveria ser editado pelo Ministério e distribuído a todos estudantes no ato de matrícula, em que se explicava que a praxe não é obrigatória, que a não participação na praxe não implica a exclusão dos alunos de nenhuma atividade realizada pela escola e no qual se informava que o Código Penal português prevê a punição de ofensas à integridade física simples, grave ou qualificada com penas que variam entre dois a dez anos, que os crimes da ameaça, coação, sequestro ou injúria são também puníveis pelo mesmo Código Penal e que havia uma linha verde e equipas que poderiam apoiar denúncias.

Estas medidas não seriam nada de extraordinário? Talvez não. Mas acreditávamos que, ainda que modestas, podiam fazer a diferença.

Nada disto foi feito. Não houve linha, nem folheto informativo, nem equipas de apoio. Algumas faculdades proibiram a praxe dentro dos seus recintos – e lavaram daí as mãos. A praxe manteve-se nas imediações e as instituições desresponsabilizaram-se ainda mais pelo assunto. O exercício de poder e a impunidade continuaram a ser a regra, se não dentro, à porta das Universidades.

Entretanto, o Bloco voltou ao assunto, e muito bem. Pela voz do Luís Fazenda, nova declaração política e a apresentação de um novo projeto de resolução, que acrescenta ao património anterior uma proposta muito importante: o fim do monopólio das comissões de praxe no acolhimento aos novos alunos e a responsabilização das instituições – reitorias, conselhos diretivos, associações de estudantes – por uma recepção aos novos estudantes que tenha informação, interconhecimento, convívio e festa. Só assim podemos garantir que há um espaço igualitário e democrático de integração de todos.

Veremos o destino destas propostas. Este é o momento para que alguma coisa mude. Se não agora, quando?

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