Saúde nos Açores, para além do limite
Nos últimos tempos foram debatidas várias propostas no parlamento dos Açores para que os médicos do serviço de urgência trabalhem para além do limite anual de horas extraordinárias estipulado no acordo coletivo de trabalho, que é de 150 horas.
É sabido que a afluência ao serviço de urgência ocorre não só porque as pessoas estão em situação grave de saúde, mas também porque não existe capacidade de resposta ao nível dos cuidados de saúde primários.
Só em maio deste ano, a afluência ao Hospital de Ponta Delgada bateu recordes, com 1.300 pessoas a recorrerem àquela valência em três dias.
Existe um claro problema no Serviço Regional de Saúde (SRS), que não se resolve sobrecarregando os seus profissionais, mas sim com medidas e investimentos estruturais, promovendo melhores condições de trabalho através de regimes de exclusividade facultativos e de investimento aos vários níveis da saúde. Mas porque não se investe de forma estrutural na saúde? Porque os resultados levam tempo, são investimentos a longo prazo e a realidade é que os políticos são chamados de 4 em 4 anos para apresentar programas e resultados. É aqui que tem de existir mudança de paradigma, caso contrário continuaremos a pagar as pesadas faturas dos remendos que vão continuamente destruindo o SRS e consequentemente a nossa saúde.
No caso dos médicos, a decisão do Governo Regional e do PAN foi a de apresentar propostas que partem do princípio de que se os médicos já fazem horas a mais para além do limite legal, então devemos incentivar e obrigar a isso, pagando mais. O Bloco foi o único partido a votar contra todas as propostas, alertando insistentemente para o potencial burnout dos médicos, o risco para os utentes, para a ausência de parecer dos sindicatos médicos e para o trabalho extraordinário sem limites. Assim os utentes não saberão quantas horas estará a trabalhar o médico que têm à sua frente no serviço de urgência e como estará física, mental e emocionalmente para o exercício das suas funções.
A proposta do Governo acabou por ser vetada pelo Representante da República, dando razão às preocupações do Bloco, algo que a coligação também reconheceu ao apresentar uma proposta de alteração já com a introdução de limites máximos, assim como exigindo o acordo dos trabalhadores para o trabalho suplementar para além do limite legal.
No entanto, e em espécie de corrida em cima do joelho, esta proposta foi aprovada em comissão na segunda-feira para ser votada na quarta, sem novamente ouvir os sindicatos dos médicos. O que pensam os médicos sobre isso? Ninguém sabe, porque a direita e o PAN preferiram ser eles próprios a decidir sobre o trabalho dos médicos.
Penso que um assunto destes, com implicações diretas no trabalho e vida dos médicos, sem esquecer as implicações para a segurança dos utentes, não pode ser tratado desta forma leviana e até irresponsável.
Quando já se gasta mais em horas extraordinárias do que em salários num dos hospitais da nossa região, isto deve levar-nos a refletir se é este o caminho que queremos na saúde, que neste momento não é de todo extraordinária.