Os TSDT e a eterna injustiça na saúde

O pior de não alcançar a justiça é assistir a responsáveis que agitam uma solução, criam expectativas e depois só a alguns é que é dada a possibilidade de fazer o caminho. Uma pequena minoria dos técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica (TSDT) viu os seus anos de carreira contabilizados. A maioria, incrédula, assiste ao silêncio do Ministério da Saúde e ao encolher de ombros das administrações hospitalares. O nosso trabalho vale pouco para quem manda. Quem se senta durante o dia em frente ao Excel, não percebe o valor de trabalhar noite dentro a semear hemoculturas, efetuar uma TAC a um doente com AVC ou realizar um ECG numa sala de reanimação.

O centrão político fez bem o seu jogo. O PSD propôs uma lei na medida exata para enganar os trabalhadores e curta para poder ser aplicada pelo governo PS. A insatisfação de rua foi contida, mas a frustração cresce mês após mês. Nada contra os colegas funcionários públicos. Pelo contrário! Até porque os colegas não se encontram propriamente numa boa situação laboral. O repúdio tem de ir contra quem sempre se prestou a estes jogos, dividir trabalhadores para melhor controlar. De forma mesquinha e pequenina, é a única forma pela que eles sabem mandar.

A maioria dos TSDT tem um contrato individual de trabalho (CIT) que remete para o código do trabalho, e não para o código de trabalho em funções públicas. Uma aberração iniciada no princípio deste século. Trabalhamos para o Estado, sofremos os mesmos cortes de quem trabalha para o Estado, a ida além da troika também foi além dos nossos salários, mas as poucas benesses chegam sempre muito mais tarde. Quando chegam…

Trabalho desde 2006 num dos grandes centros hospitalares de Lisboa. Daqueles com nome pomposos, haja alguma coisa que seja em grande! Fui contratada a recibos verdes, abaixo do salário mínimo, já era uma sorte estar a trabalhar! Pelo menos, era o que me diziam. Sempre achei que sorte era a do Estado, sempre com a disponibilidade de profissionais de saúde bem treinados, que fazem inveja por esta Europa fora. O que eu e todos os meus colegas merecíamos era um salário digno e um trabalho estável, onde pudéssemos crescer como profissionais. Sorte? Sorte não era certamente.

Quem lê, pergunta: quem governava em 2006? Era Durão Barroso, era Santana Lopes, Sócrates? A resposta não tem interesse nenhum. São todos muito diferentes, mas muito iguais na hora de tratar dos trabalhadores. Se podem explorar muito, não se ficam pelo pouco.

Em 2008, disseram-me que a minha sorte aumentou. Após dois anos de precariedade, onde o Estado foi exemplo das piores práticas laborais, assinei contrato. Que sorte, nem é efetivo. Agora estarei à experiência, pois toda a gente sabe que dois anos de trabalho não é suficiente para o empregador saber se o trabalhador é realmente bom. Mais vale ter um período extra de dois anos de contratos a prazo.

Quando fiquei efetiva, tive como prenda a troika. Afinal de contas, tinha andado a viver acima das minhas possibilidades este tempo todo. Já tinha perdido os primeiros quatro anos de trabalho para efeitos de progressão na carreira; agora, iria perder todo o resto da minha vida. Nada percebo de gestão nem de liderança, mas creio que esta não é a melhor forma de motivar os recursos humanos.

Foi um período especial. Perdi cerca de 25% do meu salário líquido. Mas ao menos o subsídio de Natal ficou em duodécimos. Que sorte a nossa. Mais sorte tiveram os laboratórios privados. Estranha coincidência: enquanto os nossos salários eram comprimidos e o investimento no SNS atingia mínimos históricos, estes laboratórios cresciam. Os nossos colegas ganhavam pouco mais que o salário mínimo. Os nossos diretores, com um pé no laboratório alheio, afirmavam contentes “lá é mais eficiente, têm menos gastos”. Que pobreza de chefias intermédias, não sabem que é fácil ter um negócio quando se paga um salário mínimo que não cresce, combinado com as rendas garantidas de um SNS que não investe por opção política.

Corremos com o Passos. Viva a geringonça. Vivam as 35 horas! Espera, que afinal não é para todos. PS tenta que sejam apenas para alguns. Vamos para a rua, desta vez não nos calam, não nos enganam. As 35 horas foram arrancadas a ferro para os trabalhadores CIT. Foi duro, mas lá conseguimos.

A nova carreira foi um passo positivo, mas só agora os concursos viram a luz do dia. As vagas são tão pequeninas que parecem adequadas a serem sujeitas a análise de TSDT. Afinal de contas, nos laboratórios há estufas para incubar as vagas e microscópios para as conseguir observar. As ressonâncias magnéticas modernas permitem ver mesmo a alteração mais pequena. Desta vez o governo está de parabéns, nunca houve um concurso tão adequado à profissão a que se destina.

E chegamos ao final de 2022. Ao fim de 16 anos de trabalho, continuo na base da carreira. Não apenas eu, mas dezenas de milhares de colegas. Tenho resiliência, estive na linha da frente, tive palmas e um bilhete para a final da liga dos campeões. Mas fui esquecida. Não quero mais desta sorte. Quero um salário digno, uma carreira que permita desenvolver-me e crescer profissionalmente.