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Os TSDT e a eterna injustiça na saúde

O nosso trabalho vale pouco para quem manda. Quem se senta durante o dia em frente ao Excel, não percebe o valor de trabalhar noite dentro a semear hemoculturas, efetuar uma TAC a um doente com AVC ou realizar um ECG numa sala de reanimação. Artigo de Eloísa Gonçalves Macedo

 

O pior de não alcançar a justiça é assistir a responsáveis que agitam uma solução, criam expectativas e depois só a alguns é que é dada a possibilidade de fazer o caminho. Uma pequena minoria dos técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica (TSDT) viu os seus anos de carreira contabilizados. A maioria, incrédula, assiste ao silêncio do Ministério da Saúde e ao encolher de ombros das administrações hospitalares. O nosso trabalho vale pouco para quem manda. Quem se senta durante o dia em frente ao Excel, não percebe o valor de trabalhar noite dentro a semear hemoculturas, efetuar uma TAC a um doente com AVC ou realizar um ECG numa sala de reanimação.

O centrão político fez bem o seu jogo. O PSD propôs uma lei na medida exata para enganar os trabalhadores e curta para poder ser aplicada pelo governo PS. A insatisfação de rua foi contida, mas a frustração cresce mês após mês. Nada contra os colegas funcionários públicos. Pelo contrário! Até porque os colegas não se encontram propriamente numa boa situação laboral. O repúdio tem de ir contra quem sempre se prestou a estes jogos, dividir trabalhadores para melhor controlar. De forma mesquinha e pequenina, é a única forma pela que eles sabem mandar.

A maioria dos TSDT tem um contrato individual de trabalho (CIT) que remete para o código do trabalho, e não para o código de trabalho em funções públicas. Uma aberração iniciada no princípio deste século. Trabalhamos para o Estado, sofremos os mesmos cortes de quem trabalha para o Estado, a ida além da troika também foi além dos nossos salários, mas as poucas benesses chegam sempre muito mais tarde. Quando chegam…

Trabalho desde 2006 num dos grandes centros hospitalares de Lisboa. Daqueles com nome pomposos, haja alguma coisa que seja em grande! Fui contratada a recibos verdes, abaixo do salário mínimo, já era uma sorte estar a trabalhar! Pelo menos, era o que me diziam. Sempre achei que sorte era a do Estado, sempre com a disponibilidade de profissionais de saúde bem treinados, que fazem inveja por esta Europa fora. O que eu e todos os meus colegas merecíamos era um salário digno e um trabalho estável, onde pudéssemos crescer como profissionais. Sorte? Sorte não era certamente.

Quem lê, pergunta: quem governava em 2006? Era Durão Barroso, era Santana Lopes, Sócrates? A resposta não tem interesse nenhum. São todos muito diferentes, mas muito iguais na hora de tratar dos trabalhadores. Se podem explorar muito, não se ficam pelo pouco.

Em 2008, disseram-me que a minha sorte aumentou. Após dois anos de precariedade, onde o Estado foi exemplo das piores práticas laborais, assinei contrato. Que sorte, nem é efetivo. Agora estarei à experiência, pois toda a gente sabe que dois anos de trabalho não é suficiente para o empregador saber se o trabalhador é realmente bom. Mais vale ter um período extra de dois anos de contratos a prazo.

Quando fiquei efetiva, tive como prenda a troika. Afinal de contas, tinha andado a viver acima das minhas possibilidades este tempo todo. Já tinha perdido os primeiros quatro anos de trabalho para efeitos de progressão na carreira; agora, iria perder todo o resto da minha vida. Nada percebo de gestão nem de liderança, mas creio que esta não é a melhor forma de motivar os recursos humanos.

Foi um período especial. Perdi cerca de 25% do meu salário líquido. Mas ao menos o subsídio de Natal ficou em duodécimos. Que sorte a nossa. Mais sorte tiveram os laboratórios privados. Estranha coincidência: enquanto os nossos salários eram comprimidos e o investimento no SNS atingia mínimos históricos, estes laboratórios cresciam. Os nossos colegas ganhavam pouco mais que o salário mínimo. Os nossos diretores, com um pé no laboratório alheio, afirmavam contentes “lá é mais eficiente, têm menos gastos”. Que pobreza de chefias intermédias, não sabem que é fácil ter um negócio quando se paga um salário mínimo que não cresce, combinado com as rendas garantidas de um SNS que não investe por opção política.

Corremos com o Passos. Viva a geringonça. Vivam as 35 horas! Espera, que afinal não é para todos. PS tenta que sejam apenas para alguns. Vamos para a rua, desta vez não nos calam, não nos enganam. As 35 horas foram arrancadas a ferro para os trabalhadores CIT. Foi duro, mas lá conseguimos.

A nova carreira foi um passo positivo, mas só agora os concursos viram a luz do dia. As vagas são tão pequeninas que parecem adequadas a serem sujeitas a análise de TSDT. Afinal de contas, nos laboratórios há estufas para incubar as vagas e microscópios para as conseguir observar. As ressonâncias magnéticas modernas permitem ver mesmo a alteração mais pequena. Desta vez o governo está de parabéns, nunca houve um concurso tão adequado à profissão a que se destina.

E chegamos ao final de 2022. Ao fim de 16 anos de trabalho, continuo na base da carreira. Não apenas eu, mas dezenas de milhares de colegas. Tenho resiliência, estive na linha da frente, tive palmas e um bilhete para a final da liga dos campeões. Mas fui esquecida. Não quero mais desta sorte. Quero um salário digno, uma carreira que permita desenvolver-me e crescer profissionalmente.

(...)

Esquerda Saúde 3

Já saiu a revista Esquerda Saúde nº 3

17 de Novembro 2023

A edição de novembro de 2022 já está disponível online. Em destaque, a crise do SNS e a falta de respostas do Governo. Leia aqui a revista em formato pdf.

Editorial: Verão quente na Saúde

17 de Novembro 2022

Mudarão as políticas de saúde em Portugal? Não tenhamos grandes ilusões, mais do que mudanças de personalidades, o que conta são as opções políticas. E essas, infelizmente, continuarão idênticas. Editorial de Mário André Macedo.

Negociações sindicais no congelador, enfermagem fora do Orçamento

17 de Novembro 2022

O OE 23 pretende remunerar as primeiras 150 horas extras ao valor atual, apenas majorando após atingir esta marca. Ou seja, os enfermeiros terão de trabalhar 1 mês extra, antes de serem devidamente pagos pelo valor do seu trabalho. Artigo de Luís Mós.

 

A crise do SNS não é um fenómeno estival

17 de Novembro 2022

Foi badalado até à exaustão o fecho de maternidades, as transferências de grávidas, as mortes de mães e de bebés, que produziram suculentas manchetes. Poucas vezes se foi ao fundo da questão e se expôs a verdadeira razão e dimensão dos problemas. Artigo de Tânia Russo.

A minha história de enfermeira na Bélgica

17 de Novembro 2022

Ser independente, ter condições de trabalho vantajosas e possibilidade de progressão na carreira; estas foram as razões pelas quais emigrei para a Bélgica. Após nove anos, ainda cá estou, satisfeita. Esta é a minha história. Artigo de Maria Ribeiro.

Os TSDT e a eterna injustiça na saúde

17 de Novembro 2022

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O SNS e os TSDT: o que aconteceu?

17 de Novembro 2022

O valor das profissões que a carreira de Técnico Superior de Diagnóstico e Terapêutica abrange é incalculável para a qualidade de vida dos utentes do Serviço Nacional de Saúde. Artigo de Nuno Malafaia.

Ensino médico: da academia à enfermaria

17 de Novembro 2022

Embora nos encontremos num período de inovação e experimentação alargada no ensino médico, onde a voz estudantil parece contar um pouco mais do que há alguns anos, os métodos de avaliação continuam a insistir de modo arcaico no exame de escolha múltipla ou no conjunto de frequências compostas por questões da mesma tipologia. Artigo de Pedro Vilão Silva.

 

Valorização da enfermagem é mais eficiência no SNS

17 de Novembro 2022

A situação global dos Enfermeiros/as é o espelho que reflete o estado da Saúde no nosso país: desinvestida, desmembrada e desmotivada. Artigo de Fernanda Lopes.

 

Desafios para a Gestão do Serviço Nacional de Saúde

17 de Novembro 2022

Os contratos programa devem ser divulgados por todos os profissionais da unidade de saúde para que se sintam envolvidos, para que saibam quais as metas a atingir, quais as estratégias a adoptar e que variáveis- métricas devem ser elencadas para avaliar a qualidade de cuidados prestados. Artigo de Gisela Almeida.

 

Saúde nos Açores, para além do limite

17 de Novembro 2022

Só em maio deste ano, a afluência ao Hospital de Ponta Delgada bateu recordes, com 1.300 pessoas a recorrerem àquela valência em três dias. Artigo de Jessica Pacheco.

O que se passa com os serviços de urgência

4 de Setembro 2022

Não há praticamente nenhum programa de governo para a saúde que não reconheça que há um problema nas urgências. No entanto, aqui estamos, com problemas semelhantes nos serviços de urgência ao longo dos últimos 40 anos. Artigo de Mário André Macedo.