Está aqui

Não somos cúmplices nem indiferentes!

É este um dos lemas que nos deve nortear no que diz respeito à violência contra as mulheres. Não existe um decréscimo no número de vítimas de violência contra as mulheres, apesar de parecer que já está tudo feito, que a igualdade existe e que já é considerado crime público. Tem aumentado o número de denúncias, mas nem por isso têm aumentado as medidas de prevenção ou a avaliação do risco. Artigo de Albertina Pena.

A violência assume vários formatos e culpa socialmente quem sofre deste tipo de agressão. É um sofrimento que envergonha, é um sofrimento envolto num misto de culpa e afectos, do qual a vítima não tem facilidade em se libertar. A par da violência patriarcal, existe a pressão social para a vitimização.

Quantas vezes não ouvimos: “Se as mulheres estão assim é porque querem. Se apanham ou são maltratadas é porque deixam.” Este tipo de discurso nem tem em linha de conta que uma dessas mulheres de quem falamos pode ser a que está ao nosso lado e em vez de a encorajarmos, aumentamos o estigma e a dificuldade que ela possa ter na denúncia da situação. Sem intenção, estamos a dizer que ela é fraca. Mas ela poderá, a nosso lado, ser uma profissional responsável e empenhada, uma vizinha amável, uma amiga. Contudo, estas mulheres mantêm-se em silêncio! Continuam, dramaticamente, a sofrer, até que um dia aparecem mortas às mãos dos seus companheiros ou ex-companheiros. Então, nesta altura, também nós despertamos, mas já pode ser tarde demais: não ouvimos os apelos, não lemos os sinais! Limitamo-nos a dizer e a ouvir: “se as mulheres estão assim é porque querem”. Por vezes, até desculpamos os agressores, dizendo: é da crise, ou da bebida, ou do mau feitio, ou então deve ser ela que não faz as coisas bem feitas, porque ele até é boa pessoa e, se ela está mal que se mude, porque até já a avisámos várias vezes!

Em cada dia, muitas mulheres vivem a insegurança de voltar para casa. Em cada dia, muitas mulheres são despojadas das suas casas, forçadas a sair, na maior parte das vezes, sem pertences: vão para parte incerta, sem família, sem apoios, sem pessoas amigas. Levam a sua dor, os maus-tratos, as dificuldades do recomeço e os filhos que terão que ir para outra escola, terão que se adaptar a outro meio.

As mulheres saem para não morrerem, enquanto que quem as prejudica, quem as agride, muitas vezes fica impune, em casa, no local habitual. Nós continuamos a culpar e a julgar a mulher que abandona o lar, acusando-a de não ter sido capaz de o manter em ordem. Apesar de tudo, essas mulheres são ainda discriminadas, secundarizadas, desvalorizadas pelo trabalho que fazem, que as remete para a cozinha, que as faz trabalhar mais horas, que as responsabiliza pela educação dos filhos/as e do cuidado dos mais velhos, que lhes retira a palavra na tribuna pública, dos cargos de chefia, que as faz ganhar menos, que regulamenta o seu corpo e o seu sexo.

Julgamos com o peso de uma História que as elimina, as oculta, usando-as na invisibilidade e no obscurantismo. Pactuar com a construção social de identidades opressoras e oprimidas é pactuar com os crimes que continuam acontecer. Pode não acontecer connosco, podemos achar que já somos iguais mas se nos calamos, as nossas amigas, as nossas vizinhas, as nossas colegas de trabalho continuam a morrer. Morrem, apenas, com a culpa de terem amado. Um amor que as silencia e as mata. Por elas e por nós, não podemos calar, não podemos ser cúmplices.

Dia 25 de Novembro é a hora de dizer basta, de ir para a rua e dizer bem alto: não continuo a pactuar com o sofrimento, nem com a morte das mulheres, porque uma das que precisam da nossa voz pode estar ao nosso lado neste momento.

Dia 25, não fiquemos em casa, porque ser diferente não significa desigualdade no acesso aos mesmos direitos.


 

(...)

Neste dossier:

Violência contra as Mulheres

A violência contra as mulheres é uma forma de discriminação e uma violação de direitos humanos, sendo que a sua persistência constitui um pesado retrocesso civilizacional. No dia 25 de novembro, sairemos à rua para exigir a vontade política e os recursos necessários para assegurar uma estratégia eficaz de prevenção e combate à violência contra as mulheres. Dossier organizado por Mariana Carneiro.

UMAR apresenta dados sobre mulheres assassinadas em 2011

A UMAR apresentou esta quinta-feira, Dia Internacional pela Eliminação da Violência Doméstica, os dados relativos ao Observatório de Mulheres Assassinadas e referentes ao ano de 2011. Até dia 11 de novembro do presente ano, registaram-se 23 homicídios, 39 tentativas de homicídio e 62 vítimas associadas. Ver relatório.

Violência contra as mulheres: um fenómeno multidimensional

A violência contra as mulheres é uma forma de discriminação e uma violação de direitos humanos, sendo que a sua persistência constitui um pesado retrocesso civilizacional. Tendo em conta que as suas manifestações são variadas e complexas, a resposta a este fenómeno terá que ser global, estratégica e exige o envolvimento de toda a sociedade.

Algumas formas da violência patriarcal

O patriarcado é muito antigo. Oprime as mulheres pelo facto de o serem. Já existia antes do capitalismo e reproduz-se de diversas formas para além do aspecto estritamente económico: pela linguagem, os estereótipos, a cultura. Artigo de Adriana Lopera.

Violência Contra as Mulheres é "persistente, generalizada e inaceitável"

Durante a apresentação, em outubro deste ano, do relatório anual do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre violência contra mulheres, Rashida Manjoo, Relatora Especial deste Conselho, classificou este tipo de violência como "persistente, generalizada e inaceitável" em todo o mundo.

O fenómeno da violência doméstica em Portugal

A violência doméstica é, muito possivelmente, a forma mais generalizada de violência contra as mulheres. No nosso país, este tipo de violência continua a vitimizar dezenas de milhares de mulheres, chegando a causar a morte de algumas das vitimas.

Não somos cúmplices nem indiferentes!

É este um dos lemas que nos deve nortear no que diz respeito à violência contra as mulheres. Não existe um decréscimo no número de vítimas de violência contra as mulheres, apesar de parecer que já está tudo feito, que a igualdade existe e que já é considerado crime público. Tem aumentado o número de denúncias, mas nem por isso têm aumentado as medidas de prevenção ou a avaliação do risco.  Artigo de Albertina Pena.

Não pararemos de lutar até que todas sejamos livres!

Como salienta Christine Ockrent, as mulheres são sempre as primeiras vítimas de humilhação, precariedade, maus-tratos conjugais, criminalidade, pobreza, fome, desemprego, violência, violação, morte. Artigo de Nádia Cantanhede.

A Branca de Neve e a Bruxa Má

O combate à violência sobre as mulheres é uma causa mundial que, felizmente, ano após ano tem maior visibilidade e congrega cada vez mais sectores da sociedade. Artigo de Helena Pinto.

Manifesto da Marcha pelo Fim da Violência contra as Mulheres

No dia 25 de novembro, celebra-se o "Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres". Em Portugal, esta data será assinalada com a Marcha pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, cujo início está marcado para as 17h no Largo de Camões, em Lisboa. Leia aqui o manifesto da marcha.