A tempestade perfeita na saúde

porAntónio Lima

13 de December 2022 - 21:24
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As últimas semanas foram de enorme instabilidade, incerteza, conflito e perturbação no funcionamento do Serviço Regional de Saúde (SRS) [dos Açores] e principalmente no maior hospital da região, o HDES [Hospital do Divino Espírito Santo].

As últimas semanas foram de enorme instabilidade, incerteza, conflito e perturbação no funcionamento do Serviço Regional de Saúde (SRS) e principalmente no maior hospital da região, o HDES. A importância desta instituição para o SRS e para a população é tal que a sua gestão deveria ser uma das maiores preocupações de qualquer secretário da saúde. Mas o atual sempre se demitiu de ser o secretário do HDES.

Contar a história de como se chegou aqui não caberá nesta crónica. Foi um percurso com inúmeras tempestades, a maioria com origem no próprio governo ou nas administrações por ele nomeadas.

Alguns acontecimentos que tiveram lugar nas últimas semanas trouxeram à tona a grande insatisfação que existe no SRS. Essa insatisfação não é apenas dos médicos, antes pelo contrário. A insatisfação, o desânimo e, no caso do HDES, o completo descrédito na administração é transversal.

A falta de recursos humanos, as más condições de trabalho, a falta de condições para os utentes, a falta de preocupação com o bem-estar emocional de quem está doente - de que é exemplo a manutenção de regras e horários obtusos para visitas com a desculpa da COVID-19 - a falta de diálogo, os trolls nas redes sociais que atacavam todos os que ousavam criticar a administração do HDES, tudo se conjugava para, surgindo um fator grave e sério, despoletar uma tempestade perfeita.

No caso dos médicos, o facto de se ter aprovado, sem qualquer negociação transparente, um regime de remuneração do trabalho suplementar pior do que o que existe no resto do país despoletou um processo sem retorno. Os médicos começaram a recusar-se a realizar mais do que as 150 horas legais de trabalho suplementar. A esse processo respondeu o vice-presidente do governo insultando os médicos e recusando, até hoje, um pedido de desculpas. A tempestade perfeita começou adubada pelo orgulho.

A demissão da presidente do conselho de administração do HDES permitiu reverter as demissões de quase todos os diretores de serviço e permitiu o diálogo. Não sei é se o governo mudará também a sua forma de gerir o SRS. Já o afirmei mais de uma vez: a tutela da saúde está dividida entre o PSD que tem a tutela formal e o CDS com uma tutela informal sobre o HDES. E isso demonstra-se facilmente pelas reações do CDS e do apêndice PPM às mais diversas crises no HDES, pelas reuniões da vice-presidência (porque motivo?) com a administração do HDES logo em fevereiro de 2021.

Só isso explica a manutenção de uma administração que se incompatibilizou com quase todo o HDES, que não cumpriu a lei despedindo um trabalhador sem pagar a indemnização a que tem direito, que levou - ainda antes desta crise aguda - à saída de dois membros do conselho de administração, dois adjuntos do conselho de administração e dois diretores de serviço. Do conselho de administração inicial, apenas dois membros se mantiveram. Era mais que evidente o seu funcionamento disfuncional. Mas como a saúde da coligação dependia desta administração, ela foi mantida em nome de interesses que nada têm a ver com o acesso à saúde dos açorianos e açorianas.

Chegados a este ponto, importa não apenas perceber como será resolvida a questão laboral ligada ao trabalho suplementar mas também e acima de tudo que organização para a saúde o governo de coligação pretende. É completamente disfuncional dividir uma tutela no âmbito de acordos partidários.

A saúde da coligação não terá saído sem dano deste processo e por isso já teve melhores dias. Mas, ou muito me engano, ou a saúde, em particular a administração do HDES, continuará a ser moeda de troca para a sobrevivência da coligação. E isso será dramático para o SRS.

António Lima
Sobre o/a autor(a)

António Lima

Deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores e Coordenador regional do Bloco/Açores
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