Política e negócios no quarto escuro da democracia

porAdriano Campos

22 de March 2016 - 13:37
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Ainda se lembra da Coligação Portugal à Frente (PAF)? O compromisso eleitoral, como podemos ler, era farto em promessas de uma "exemplaridade" política.

"Rigor, previsibilidade, transparência, exemplaridade e escrutínio são, e continuarão a ser, os valores que balizam o caminho prosseguido para devolver a confiança dos cidadãos na política e nos atores políticos. Valores que impõem um compromisso cada vez mais acentuado com uma matriz de cultura e de conduta política que assegure, em simultâneo, a firmeza das instituições e a confiança dos cidadãos".

Ainda se lembra da Coligação Portugal à Frente (PAF)? O compromisso eleitoral, como podemos ler, era farto em promessas de uma "exemplaridade" política. A conduta é o melhor sermão e o voto um contrato com o cidadão. Dúvidas houvesse, a árdua vida dos ex-Ministros aí está como a prova provada deste entendimento.

Maria Luís Albuquerque: ex-Ministra das Finanças e uma das pretendentes à liderança dos PSD foi incentivada por Passos Coelho (uma estranha forma de camaradagem) a aceitar o cargo na Arrow Global. Um part-time de 100 mil euros por ano para auxiliar uma empresa que especulou com os créditos mal-parados do BANIF e vive do jogo da finança. Continua a ter assento no Parlamento.

Paulo Portas: Depois de quase duas décadas à frente do CDS, o cruzado da direita anti-cavaquista saiu com a sensação de dever cumprido, deixando para trás um partido entregue à insignificância eleitoral. Ironia da história, foi numa das mais tradicionais famílias da burguesia portuguesa que o eterno líder da nova direita encontrou o descanso merecido. Portas será o vice-presidente da Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa em representação da Pinto Basto Gest, grupo que cresceu à sombra do Estado no século XX e que agora tem íntimas ligações com o capital angolano.

Pires de Lima: Convocado para o governo depois da crise do "irrevogável", Pires de Lima não perdeu tempo e já foi anunciado como novo administrador do grupo Media Capital, proprietário da TVI e da Rádio Comercial. Para o ex-governante de um executivo que tudo fez para privatizar a RTP, o novo cargo é apenas mais um capítulo de uma impoluta carreira empresarial.

Sérgio Monteiro: ex-Secretário de Estado dos Transportes, o "Senhor Privatizações" e campeão das PPP foi o escolhido pelo Novo Banco e o Fundo de Resolução para vender os despojos do grupo Espírito Santo. O salário de Sérgio Monteiro será de quase 360 mil euros anuais, pagos por ajuste direto com impacto no orçamento de Estado.

Paulo Núncio: o ex-Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais é agora consultor da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva, o escritório de advogados que assessorou o Estado na privatização da REN.

Já sabemos que nos últimos 40 anos mais de metade dos governantes fez parte desta lambança. Do universo total de governantes, mais de metade (415) estabeleceram, antes ou depois de passar pelo governo, um vínculo relevante às empresas e às suas administrações. Essa ligação é mais intensa no PSD e no CDS, mas o PS não se distancia: metade dos governantes do PS e dois terços dos do PSD e CDS circularam entre os governos e lugares de direção em grandes empresas.

O argumento meritocrático, que releva o percurso profissional destes cidadãos (com direitos iguais aos de todos), é fraco perante as evidências. Um ex-governante tem o direito a uma profissão, com certeza que sim, mas há um trampolim nesta história. Vejamos um exemplo elucidativo: os governantes ligados aos grandes grupos económicos, que representam um quinto do total, desempenharam 320 cargos antes da chegada ao governo, já no período pós-governo contabilizamos a ocupação de 1350 cargos em empresas. Estes ex-governantes tornam-se quadros estruturantes da economia portuguesa não pelo seu mérito profissional, mas pelo seu capital político.

Não é na comissão de ética do parlamento que esta casta encontrará uma dificuldade. Mas derrotar os partidos que a representam pode bem ser um primeiro passo.

Adriano Campos
Sobre o/a autor(a)

Adriano Campos

Sociólogo, dirigente do Bloco de Esquerda e ativista contra a precariedade.
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