A Direita, o Natal e o rancor

porAlice Brito

20 de December 2015 - 12:40
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Os governos da direita são proverbialmente sítios de compadrio e traição. De infinitas solidariedades e de tiros certeiros pelas costas, que é sempre uma forma muito digna de acabar uma amizade.

Os compadres e confrades beijam-se e abraçam-se muito, até a roda desandar. Quando toca a finados, pisgam-se com a maior naturalidade e traem-se com grande profissionalismo. Nem sempre, é claro. Lembremo-nos de Dias Loureiro, incensado ainda há pouco tempo por Passos Coelho e retirado a saca-rolhas do Conselho de Estado. Entre a ninhada cavaquista há casos de amor incondicional. Mas, normalmente, quando acaba a potência do mando, acaba também a coreografia da afeição que todos os dias era celebrada.

Parece que a PAF morreu. Mas esta direita, que agora está na oposição e queria ser governo, está unida, porque está com o sentido no poder. Como um cão que não sai do sítio onde havia comida porque ainda lhe sente o cheiro. Está alerta. A experiência recente de governo por quatro anos fornece-lhe alimento de esperança. A eventualidade de eleger de novo um qualquer Presidente, nem que seja essa personagem made in TVI, que até há pouco desconsiderava e agora afaga cheia de ternura, fá-la entrar num pré deleite, numa emocionada litania elogiosa.

Quando chegou a S. Bento, a aliança PSD/PP decretou que aquela era a sua casa. Dividiu tudo em condomínio fechado, pôs ferrolhos nas portas, e depois iniciou a cruzada dos cortes. Houve outras cruzadas. Sabemos que houve.

Foi-se afeiçoando aos lugares, que bem se está por aqui, o governo transformado em toca, uma toca medonha, um contentor de interesses. Os mais criançolas mostraram-se aguerridos, estourando de um ódio apaixonado, um ódio técnico e económico. Para eles o abate de velhos e doentes seria coisa a considerar. Ficam caros.

Agora, o mais cabisbaixo de entre aquela gente é o seu presidente. Esse sabe que, quer o vento sopre de um lado, quer sopre de outro, tem os dias contados. Contadíssimos. Em contagem decrescente, tal como decrescente é o respeito que inspira mesmo entre aqueles que juraram que havia ali saber e verticalidade.

Estão à espera. Uma espera ansiosa. Deixaram tudo artilhado por toda a parte. Nos papéis orçamentais, nos bancos doentes devidamente ataviados de sarna e embuste. Para eles o parlamento é um circo de habilidades várias. Às vezes avançam em esquadrão e pegam nas deixas uns dos outros, autoelogiando-se, que bem que nós falamos, que capacidades verbais temos. De quando em quando, actuam por conta e risco lançando uivos como se estivessem sozinhos num monte.

Esta direita folclórica se pudesse partia o maxilar à esquerda por entre gargalhadas. Sonha deitar-lhe a fateixa e apertar-lhe o papo. Deleitar-se-ia com o tormento do estrebucho. Gente boa, esta gente, tão religiosa, ele é missa do galo, ele é Menino Jesus nas palhinhas, a todos um bom Natal, noite feliz, noite de amor.

Nesta quadra santa, a pretexto da concórdia e da Hosana nas alturas, vamos assistir a mais um discurso cheio de rancor, vindo de Belém. Entre presépios e música afável será destilada nas entrelinhas mais uma quantidade apreciável de veneno.

Provavelmente, para o Ano Novo, haverá a última discursata com mais ódio e ressentimento. Santa quadra. A criatura dirá, vem aí o apocalipse e é muito bem feito. O défice vai descambar, porque a esquerda quer gastar à tripa forra, onde já se viu aumentar o salário mínimo com este despudor, eu avisei, não se esqueçam do que eu disse no dia tantos do ano tal. Paz no mundo aos homens de boa vontade.

Alice Brito
Sobre o/a autor(a)

Alice Brito

Advogada, dirigente do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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