O que é meu e não posso ver

porLuís Monteiro

05 de August 2015 - 12:43
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O debate sobre o acesso público ao museu não termina quando conseguirmos assegurar a entrada de todos os cidadãos portugueses nos museus. Começa exatamente aí, depois de entrar, até onde podemos ir?

Em média, 70% das coleções e acervos dos museus não estão abertos ao público. Por outras palavras, o cidadão comum tem apenas acesso a 30% do património museológico existente. Se este dado pode ser legitimamente aceite, dentro do atual quadro de regime político que vivemos, numa qualquer gestão privada de um museu ou centro de arte contemporânea, será que o mesmo se aplica à gestão pública? Não deve uma política pública de acesso democrático à cultura promover uma maior abertura e acesso aos acervos e coleções públicas pertencentes ao Estado?

As palavras escolhidas em cada documento historiográfico apresenta-nos uma visão e uma interpretação sobre o passado, sobre uma realidade. Tal como num livro, as obras escolhidas para as exposições dos museus compõem, por si só e entre si, uma narrativa. Mas não existem outras possibilidades narrativas guardadas nos arquivos e acervos dos museus e centros de arte contemporânea?

Algumas correntes artísticas que têm vindo a refletir sobre a arquitetura de museus têm vindo a caminhar numa reorganização do espaço dentro dos próprios museus. Hoje, o espaço expositivo ocupa 30% na totalidade do espaço interno do museu.

No entanto, antes de criar formas de abrir ao público os acervos, hoje discutimos a possibilidade das próprias instituições públicas terem capacidade de trocar as obras expostas e conservar todo o acervo. As políticas de austeridade deitaram para o caixote do lixo o investimento na cultura, seja na vertente criativa seja na vertente de preservação e conservação de arte. O Ministério da Cultura desapareceu e o Orçamento de Estado de 2015 não prevê sequer 1% de investimento na Cultura. Os museus vêm-se obrigados a procurar sobrevivência através de apoios comunitários, autárquicos ou através da sua receita de bilheteira. As dotações orçamentais destinadas à conservação das coleções é praticamente uma miragem que tem vindo a empoeirar o património artístico e histórico-cultural do Estado.

O Manifesto Eleitoral do Bloco de Esquerda para estas Legislativas defender um «novo paradigma para o acesso à cultura: promover a presença de produção nacional na web, incluindo a disponibilização gratuita de todas as obras nacionais em domínio público, descriminalizar a partilha não comercial, um programa estratégico para arquivos, com metas de curto e longo prazo e definição de critérios de preservação, documentação, digitalização e acesso público.»

O debate sobre o acesso público ao museu não termina quando conseguirmos assegurar a entrada de todos os cidadãos portugueses nos museus. Começa exatamente aí, depois de entrar, até onde podemos ir?

Luís Monteiro
Sobre o/a autor(a)

Luís Monteiro

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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