Assis se faz um candidato

porJosé Gusmão

22 de April 2014 - 22:57
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Francisco Assis deu no passado Domingo de Páscoa uma entrevista ao Jornal “Público”. Trata-se de uma entrevista interessante para um estudo sobre como se faz um candidato.

Assis é um homem novo. Ele mudou. A desvantagem é que não perceber o que ele agora quer dá mais trabalho. A vantagem é que o novo produto é capaz de vender melhor…

Francisco Assis tem sido ao longo dos últimos anos o campeão do bloco central. Multiplicou-se em entrevistas e artigos defendendo entendimentos à direita, derretendo a “extrema-esquerda”, conceito em que incluía todos os outros partidos de esquerda e ainda alguns militantes e dirigentes do seu próprio partido. Bastaria defender coisas tão extremistas como o Estado social ou os direitos do trabalho para cair neste autêntico buraco negro. Por isso, a escolha de um candidato da direita do PS gerou compreensíveis desconfortos no povo de esquerda, incluindo dentro do povo (e partido) socialista. Mas agora tudo mudou. Agora, Francisco Assis é candidato.

Mudou, ma non troppo. Quando confrontado sobre a questão do bloco central, Francisco Assis saiu-se com esta pérola: “Estamos no momento de afirmação de diferenças, até às legislativas. Depois das legislativas, terá de haver um sentido de compromisso.” Esta frase revela uma conceção interessante das campanhas eleitorais. Aparentemente, não interessará aos eleitores saber que compromissos são esses, que este ou aquele candidato tenciona fazer quando os votos já estiverem nas urnas, selados e contados. Será nesse momento, quando os eleitores já não puderem fazer nada acerca do assunto, que gente graúda se juntará para decidir, afinal de contas, qual é que vai ser o programa de governo a sério.

A novidade da entrevista está em Assis admitir acordos à esquerda, coisa que o próprio reconhece que há uns anos não faria. Porquê esta mudança? Francisco Assis fornece como única razão o apoio do Bloco ao manifesto dos 74 pela reestruturação da dívida, um documento que o PS e Francisco Assis… não apoiam! Diz Francisco Assis, e bem, que o manifesto dos 74 é um documento de compromisso. É por isso que o facto de o PS não apoiar esse documento (tão moderado e tão de compromisso) é tão revelador sobre quais os compromissos que realente planeia fazer no futuro próximo.

Mas a verdade é que parece que vai ser este o discurso de Francisco Assis: “Quem quer casar com a Carochinha?”. No fundo, trata-se de uma reedição do discurso de José Sócrates depois de perder a maioria absoluta e antes de aprovar vários orçamentos e programas de austeridade com a direita. A questão prévia que se coloca hoje, como se colocava na altura, é simples e crucial: Que política quer fazer a Carochinha?

A entrevista é, a esse respeito, esclarecedora. Francisco Assis quer uma "leitura inteligente do Tratado Orçamental". Outra reedição, desta vez da "austeridade inteligente" de Hollande e de Seguro. "Austeridade inteligente" revelou ser um conceito interessante, cujo traço mais saliente é ser extraordinariamente parecida com a austeridade estúpida. Já provocou o descalabro de Hollande em França, mas os socialistas portugueses não parecem querer aprender com essa experiência. Assis disse que qualquer força política deve ter compromissos claros no seu programa sobre salários e pensões mas, quando confrontado com o jornalista sobre quais seriam os seus (os de Assis), enjeitou várias hipóteses e depois... desconversou.

Sobre a reestruturação da dívida, Assis diz que há várias soluções do ponto de vista técnico (verdade), que não precisamos de um perdão parcial da dívida (mentira) e que, no fundo, temos esperar que venham boas soluções da Europa. A mesma Europa que já disse e repetiu que uma reestruturação da dívida portuguesa está "fora de questão". Quando o jornalista lhe chama a atenção para esse facto, Assis responde com a importância de eleger um socialista com presidente da Comissão Europeia. Assis está a falar de Martin Schultz, dirigente do SPD, que integra o Governo de Angela Merkel. O mesmo Martin Schultz que disse sobre o candidato da direita (Jean-Claude Juncker) a frase demolidora: "Não sei o que nos distingue". Tudo muito promissor, portanto. Por explicar ficou o que Assis fará se a União Europeia mantiver a posição que tem tido ou nos propuser uma reestruturação à grega, que basicamente piorou o problema.

Já se percebeu que estas questões comezinhas não são para Assis assunto para campanhas eleitorais. Assis multiplica-se em ataques ao Governo de direita, dizendo que são "extremistas", "extremistas radicais", "extremistas ideológicos", "pouco preparados", "primários", etc. Mas onde sobram os qualificativos, não se percebe muito bem onde cabem as distinções substanciais. Assis define uma maioria socialista da seguinte forma: “isso não vai ser uma revolução absoluta, mas vai introduzir um novo discurso, uma nova linguagem”. Um novo discurso, uma nova linguagem. Com isto poderemos contar (talvez), e nada mais.

José Gusmão
Sobre o/a autor(a)

José Gusmão

Eurodeputado e economista.
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