Última chamada para uma Solução de Dois Estados?

17 de November 2007 - 0:00
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O ponto de vista predominante em todo o mundo sobre a forma de resolver politicamente o conflito de dois nacionalismos em Israel/Palestina é a chamada solução de dois estados - isto é, a criação de dois estados, Israel e a Palestina, dentro das fronteiras do antigo Mandato britânico da Palestina. Na verdade, esta posição não tem nada de novo. Pode dizer-se que foi a posição prevalecente em todo o mundo durante a século XX.



A Declaração de Balfour do governo britânico de 1917 chamava a que se estabelecesse um "Lar Nacional para o Povo Judeu" dentro da Palestina, o que implicava a ideia de dois estados. Quando as Nações Unidas aprovaram a sua resolução em 1947, chamaram explicitamente ao estabelecimento de dois estados (com um estatuto especial para Jerusalém). A partilha foi apoiada na altura tanto pelos Estados Unidos quanto pela União Soviética, bem como pelos movimentos sociais que seguiam a sua liderança. Os acordos de Oslo de 1993 apontavam para a criação de dois estados. E hoje Condoleezza Rice insiste que o acordo final sobre os dois estados é um assunto urgente que ela espera ver implementado numa conferência a ser reunida em Annapolis, Maryland (numa data ainda indefinida, presumivelmente em Novembro deste ano).



Qual foi a reacção histórica, de um lado, do movimento sionista (e do Estado de Israel), e, do outro, dos sucessivos representantes dos árabes palestinianos em relação à ideia de uma partição permanente - isto é, dos dois estados? Na prática, nenhum dos lados gostou alguma vez da ideia. Entre os sionistas/israelitas, havia originalmente três posições diferentes, nenhuma delas favorável à partição. Havia os chamados Revisionistas (e os seus grupos sucessores, como o Likud de hoje) que se posicionavam abertamente por um Estado judeu exclusivo (e ainda originalmente incluindo a Jordânia). Para muitos dos seus defensores, esta solução incluía a necessidade de expulsar das terras os não-judeus. Havia no outro lado do espectro político um pequeno grupo de intelectuais (como Judah Magnes e Martin Buber) que eram a favor de um Estado unitário binacional árabe-judeu, uma posição que morreu depois da criação do Estado de Israel em 1948. E havia os sionistas maioritários que se tornaram os líderes políticos maioritários em Israel. Aceitavam a ideia da partição como uma realidade necessária, ao mesmo tempo que procuravam alimentar uma expansão progressiva das fronteiras do Estado judaico, esperando um dia ocupar a maioria ou a totalidade do país. Esta era essencialmente a posição de figuras importantes como David Ben-Gurion, e mais tarde Ariel Sharon.



Os únicos grupos sionistas/israelitas que alguma vez foram a favor da solução permanente e definitiva de dois estados foram movimentos como o Paz Agora, que nasceu depois de 1967 e propunha trocar "terra por paz". Estes grupos nunca conseguiram ganhar uma clara maioria nas eleições israelitas, e hoje a sua posição é mais minoritária que nunca.



Do lado árabe/palestiniano, a resistência à ideia de dois estados sempre foi grande. No início, não havia sequer quem defendesse a ideia. Foi por isso, quando as Nações Unidas decidiram a partição de 1947, que esta não encontrou defensores do lado árabe/palestiniano. A Organização para a Libertação da Palestina (OLP) foi criada em 1964 como uma organização especificamente oposta à ideia. A OLP mudou lentamente de posição nos anos 80 e, como parte dos acordos de Oslo de 1993, aceitou formalmente a ideia dos dois estados. Para muitos israelitas, no entanto, esta mudança de posição foi meramente táctica e não genuína - uma espécie de imagem espelhada da posição de Ben Gurion-Sharon de aceitar pragmaticamente a partição como o realismo do presente, ao mesmo tempo que sempre esperavam passar desta para uma solução de um estado. Hoje, porém, o presidente Mahmud Abbas da Autoridade Palestiniana é grande defensor da solução de dois estados. E os estados árabes, com a Arábia Saudita à frente, estão claramente prontos a apoiar esta posição. Por outro lado, hoje, o primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, parece, na melhor das hipóteses, ser um pouco caloroso defensor de se criar realmente um estado palestiniano.



Posto isto, quais são as perspectivas de se chegar a um acordo? Não muito fortes, como fica claro pela declaração de oito pesos-pesados das figuras públicas americanas que publicaram recentemente no The New York Review of Books o que poderia ser designado com a última chamada para uma solução de dois estados. Intitularam a declaração de uma forma algo agoirenta: "O fracasso arrisca-se a ter consequências devastadoras". Quem a assina? O primeiro nome é Zbigniew Brzezinski, que foi o conselheiro de segurança nacional de Jimmy Carter e é também um conselheiro-chave de Barack Obama. Há outros três notáveis democratas: Lee Hamilton, que co-presidiu o Iraq Study Group; Thomas Pickering, subsecretário de Estado de Bill Clinton; e Theodore Sorenson, conselheiro especial de John F. Kennedy. O lado republicano é igualmente eminente: Brent Scowcroft, conselheiro de Segurança nacional tanto de Gerald Ford quanto de George H.W. Bush (que é frequentemente considerado como a voz não-oficial do presidente Bush); Carla Hills, representante de Comércio dos EUA de George H.W. Bush; a ex-senadora Nancy Kassebaum-Baker; e Paul Volcker, ex-presidente do Board of Governors da Reserva Federal.



Este grupo tão distinto tem uma característica em comum: os seus membros nada têm a ver com a actual administração de George W. Bush. A carta foi enviada ao presidente Bush e a Condoleezza Rice. Apresentam uma proposta detalhada - a única que todos sabem ser a solução de dois estados plausível: dois estados baseados nas fronteiras de 1967, duas capitais em Jerusalém com arranjos especiais para os lugares sagrados, e "uma solução para o problema dos refugiados que seja consistente com a solução de dois estados, responda ao profundo sentimento de injustiça dos refugiados palestinianos, e lhes ofereça uma compensação financeira significativa e apoio para o reassentamento". Também propõem a inclusão tanto da Síria quanto do Hamas nas negociações, e um congelamento imediato dos colonatos israelitas. Esta proposta foi quase adoptada nas reuniões de Taba, em Dezembro de 2000, nos últimos dias da administração Clinton. Mas "quase" não é suficiente. Esta proposta é sem dúvida aceitável por Abbas, e até muito possivelmente pelo Hamas. Mas sempre foi pública e fortemente rejeitada pelo governo de Olmert.



Por que este tom de desespero? Porque os autores sabem que é pouco provável que a proposta seja aceite quer pelo governo israelita, quer por George W. Bush. O knesset (parlamento) israelita tem claramente empurrado com a barriga qualquer possibilidade de acordo, e não há sinais de que esteja disposto a mudar de posição. Como também não há quaisquer sinais de que a administração Bush esteja disposta a pensar em mudar de opinião. Muito pelo contrário.



Por que então os oito signatários se dão ao trabalho de fazer esta última chamada? Porque o consenso internacional em torno da solução do século XX está a desvanecer-se. A simpatia por Israel, antes tão forte, está a diminuir mesmo em paragens que já foram muito simpáticas à posição israelita, e com isto vai haver mais apelos a um estado unitário. Dado o presente estado de medo e antagonismo mútuos, os israelitas nunca aceitarão uma saída de um estado. Prefeririam sem dúvida continuar o ciclo de violência sem fim. O que Brzezinski e os outros sete implicitamente advertem é que a negativa dos israelitas (e do governo americano) de aceitar já esta proposta teria as consequências devastadoras de uma muito ampliada guerra civil que duraria outros 30 anos, com um futuro incerto para a própria sobrevivência do Estado de Israel. É uma imagem sombria para todos.



Immanuel Wallerstein, 1 de Novembro de 2007

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