Corrupção e extrema-direita

porJosé Joaquim Ferreira dos Santos

08 de April 2024 - 11:24
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Só com políticas claras, transparentes e monitorizadas, destinadas a melhorar a vida das populações se pode combater a corrupção e a extrema-direita que dela se aproveita.

Por toda a Europa, o crescimento da extrema-direita, populista, nacionalista, xenófoba e racista é consequência, entre outras coisas, da incapacidade da social-democracia e da direita liberal responder às necessidades da população, ambas pactuando abertamente com os interesses ominosos e vampirescos do capital neoliberal.

Um dos pontos em que a extrema-direita procura basear os seus tão tonitruantes quanto desconexos discursos, é naquilo a que chamam a luta anti- corrupção, contra o que consideram ser a alteração dos alegados costumes nacionais e religiosos, procurando atirar para os imigrantes estrangeiros os custos dos malefícios criados pelo capitalismo, funcionando assim como meros cães de guarda do neoliberalismo.

As diversas formas de corrupção são decorrentes do próprio funcionamento cleptocrata do capitalismo, desde os seus primórdios. Convém não esquecer que o salazarismo teve por base um proteccionismo económico, um favorecimento especial a determinadas individualidades e grupos e existiram inúmeros casos de corrupção. Na actualidade a existência de portas giratórias entre a política e os negócios favorece a corrupção.

Assim, lutar contra as práticas de corrupção, praticada por quem quer que seja, é sempre lutar pela transparência de processos, contra as negociatas particulares ou de grupo, na defesa do bem público.

Ora, o que tem sido prática corrente nas organizações ultra-direitistas é a mais despudorada falta de escrúpulos em termos de seriedade e lhaneza, não hesitando em atropelar todas as regras democráticas, por exemplo, a do financiamento dos partidos e mesmo nas relações entre eles, conforme tem sido amplamente noticiado.

Tal realidade tem sido constatada, no caso da Europa, em Itália, França, Alemanha, Hungria, Polónia, Espanha e até em Portugal, bem como em toda a América Latina.

Com a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, este desvario ultra-direitista assumiu proporções verdadeiramente catastróficas.

Uma vez instalados no poder, os defensores da extrema-direita, mostram a sua verdadeira face de meros instrumentos do capitalismo neoliberal e passam a integrar o projecto de rapina que este sistematicamente promove.

Esta aparente incongruência entre os discursos empolados de luta contra a corrupção e a prática da extrema-direita, tem tendência a enganar muitos daqueles que, assustados com as constantes notícias dos crimes de corrupção, imaginam que são os que mais alto berram que está a resposta. Iludem-se, completamente.

Em democracia, deve existir uma luta permanente contra todas as formas de corrupção, indispensável para que a sociedade se mantenha saudável, mas não pode estar entregue a salvadores da pátria ou a super-heróis, que não existem, depende sempre muito mais da plena assunção do escrutínio pela população, sem condescendência, num exercício de responsabilidade com consequências eleitorais, assim como a apropriação privada do erário público.

Uma certa instituição portuguesa é a aceitação da cunha, do favorzinho, do passar à frente na lista, que promove a normalização doutras formas mais acentuadas de corrupção, sob pretextos do desenrasca e do salve-se quem puder. É contra a prevalência e aceitação tácita deste estado de espirito que é necessário lutar. Os corruptores são igualmente sujeitos da corrupção, merecendo punição.

O papel da comunicação social deve ser o de informar a população com objectividade, ajudando à formação da opinião pública, mas sem a tentar enformar, sem lançar atoardas e sem contribuir para o aumento da intranquilidade dos cidadãos. A comunicação social embora dependente dos grupos económicos que a detêm, devem apenas responder perante os conselhos de redacção democraticamente eleitos pelos jornalistas.

Após investigações céleres e credíveis, levadas a cabo pelas autoridades judiciárias, sem inoportunas fugas de informação, sem acções espetaculares para as televisões, a intervenção da justiça deve colocar ordem nas situações que o justifiquem, sem buscar o espetáculo ou sensacionalismo, com a sensatez que se espera e que seja útil e eficiente, sem calendários nem estratégias políticas pessoais.

As questões da corrupção, aproveitadas pela extrema-direita para o seu crescimento são problemas políticos graves e como tal devem ser encarados e combatidos. Só com políticas claras, transparentes e monitorizadas, destinadas a melhorar a vida das populações se pode combater a corrupção e a extrema-direita que dela se aproveita. Só assim será possível impedir a normalização da anormalidade.

José Joaquim Ferreira dos Santos
Sobre o/a autor(a)

José Joaquim Ferreira dos Santos

Reformado. Ativista do Bloco de Esquerda em Matosinhos. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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