Fusão das carreiras na administração pública – um erro que estamos a pagar caro

porManuel Grilo

28 de September 2019 - 10:22
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O arranque deste ano letivo fica marcado pela falta de assistentes técnicos nas secretarias das escolas. Vivem-se situações complicadas. O Bloco apresentou uma proposta em 2017 que teria evitado este caos.

O arranque deste ano letivo fica marcado pela falta de assistentes técnicos nas secretarias das escolas. Vivem-se situações complicadas, com direções a substituírem-se aos funcionários que não existem num quadro que roça o drama nalgumas escolas. O Bloco apresentou uma proposta em 2017 que teria evitado este caos – o restabelecimento de algumas das carreiras extintas nas escolas. Foi aprovada, mas não foi aplicada.

Apesar da oposição do Bloco, a Câmara Municipal de Lisboa aceitou a transferência de competências na Educação pelo que vamos herdar esta situação e é com muita preocupação que vejo o atual quadro legal das carreiras da administração pública impedir a construção de soluções que devolvam a tranquilidade à Escola Pública nesta matéria.

No final de 2017 o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentou um projeto para que fossem apreciadas as consequências da fusão das carreiras da administração pública nas escolas.

O projeto – aprovado – deu origem a uma Resolução da Assembleia da República (n.º 36/2018 que pode ser consultada aqui) que recomendava ao governo que:

1. Proceda à avaliação rigorosa e célere das consequências do processo de fusão das carreiras da Administração Pública, nas escolas.

2. Inicie um processo negocial com as organizações representativas dos trabalhadores que vise o estabelecimento de carreiras especializadas de trabalhadores não docentes que contemple as funções específicas necessárias ao bom funcionamento das escolas;

3. Estabeleça um plano de formação para os trabalhadores não docentes nas escolas adaptado às diferentes funções que lhes são exigidas.

A fusão das carreiras gerais da administração pública pretendia simplificar o que então era considerado excessivo (e em muitos casos era efetivamente). Centenas de carreiras foram objeto de fusão. Fruto deste processo desapareceram carreiras essenciais ao bom funcionamento das escolas com consequências muito negativas como agora se comprova.

Tivesse o Governo levado em boa conta a recomendação do Bloco e talvez não estivéssemos a assistir ao quadro de dificuldades neste arranque do ano letivo que as escolas estão a viver no capítulo dos trabalhadores não docentes. Em muitas escolas, e particularmente nas que são sedes de agrupamento, há hoje uma enorme falta de pessoal especializado nas secretarias o que põe em causa o seu normal funcionamento. E não se pense que é possível remediar a situação alocando outros profissionais a estes serviços; a especialização necessária para estas funções, o grau de conhecimentos exigido e as competências requeridas têm um tempo de aprendizagem longo que não se coaduna com a mobilização de assistentes operacionais que, de forma casuística, é por vezes sugerida.

O processo de fusão de carreiras redundou numa enorme desvalorização das funções específicas desempenhadas por estes profissionais o que levou muitos a saírem para outras áreas da administração pública e para a aposentação. Se a isto somarmos a impossibilidade de contratação de trabalhadores para a administração pública durante todo o período do governo PSD/CDS percebe-se que a tempestade perfeita alguma vez haveria de acontecer. Está a acontecer agora, com as direções de algumas escolas desesperadas sem saber como substituir os que saíram e sem saber como realizar as muitas tarefas inerentes ao arranque do ano letivo e ao regular funcionamento das escolas.

Não foi só nas secretarias que a fusão das carreiras criou um quadro de dificuldades nas escolas. Noutras áreas, como os laboratórios, as bibliotecas e as cozinhas também as dificuldades aumentaram e se agravaram à medida que os profissionais mais antigos vão saindo, naturalmente ou por opção própria.

Por exemplo, o desaparecimento da categoria de cozinheiro/a implicou que, à medida que os /as profissionais existentes nas escolas se aposentavam não pudessem ser substituídos/as. Como consequência as escolas foram obrigadas a recorrer a empresas de restauração coletiva e a externalizar o que deveria ser feito internamente. A consequência foi pior serviço, refeições “demasiado económicas” e um número crescente de alunos e alunas que deixaram de comer nas escolas da responsabilidade do poder central. Nas que dependem das autarquias (escolas do 1.º ciclo e jardins de infância) a situação é diferente, variando naturalmente de autarquia para autarquia. Não por acaso, em Lisboa, em que o pelouro da Educação é assegurado pelo Bloco, esta foi uma das áreas prioritárias de intervenção com uma aposta bem-sucedida na confeção local, no desaparecimento do “plástico” do circuito das refeições e na crescente responsabilização de entidades públicas pelo serviço de refeições e pela contratação direta do pessoal das cozinhas e dos refeitórios.

Para a próxima legislatura temos de levar à lei o que ficou na Resolução e garantir que a funções específicas e especializadas nas escolas correspondam carreiras igualmente específicas, devidamente valorizadas, que venham resolver a imensa trapalhada que a fusão de carreiras então criou e devolvam a tranquilidade ás escolas.

Manuel Grilo
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