Sobre a Grécia, sobre Portugal

porNuno Moniz

23 de January 2015 - 9:37
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O momento histórico em que vivemos exige um sentimento positivo que combate o sentimento de derrota. Este último é o apanágio impregnado na esquerda por várias gerações.

A três dias das eleições na Grécia vale a pena parar e pensar um pouco. A situação que se vive na Grécia levanta ódios e paixões por toda a Europa. Não podia ser de outra maneira. Afinal, o que poderá estar em jogo é o fim da inevitabilidade do sistema frouxo de rotatividade entre um qualquer partido de “direita” e um outro qualquer partido de “esquerda”. Quando na verdade, sabemos bem, são no essencial o mesmo. E, aliás, a questão é outra, para a esquerda em Portugal, neste momento: é possível ganhar?

Ou a vontade de ganhar ou a inutilidade

Encruzilhada. Vivemos em tempos que poderão marcar uma novidade na capacidade da esquerda, à esquerda dos partidos apelidados de socialistas, em ter maiorias sociais capazes de governar. Não é o mesmo que ter poder, sabemos. Mas não é um ponto menor. Tanto diminuir ou exacerbar este ponto é incorrer em perigos muito bem conhecidos para uma geração bem presente. No entanto, não podemos deixar que as cicatrizes dum passado recente sejam o entrave à solidariedade de “peito aberto” internacionalista. Pensar que no mundo de hoje, e principalmente na Europa, uma solução nacionalista pode ter sucesso à esquerda, é a derrota. Não é essa a ideia política da esquerda que avança, e só o sectarismo poderá ditar a atitude de quem espera por um novo momento político em que, talvez, a situação sopre a seu favor.

Quando falamos de momento político, falamos deste. Deste que não se repetirá da mesma forma, obviamente, mas também que não se pode prever quando será essa repetição. Aqui separam-se águas. Em quem tem gana de construir e ganhar, e de quem só apanha o autocarro se ele parar para o apanhar, passe a expressão. Noutras palavras, em quem não quer esperar por outro momento político, e quem se dá a esse luxo. Não há essa construção duma maioria social sem um programa claro – totalmente verdade – mas esse não é o problema da esquerda. Esse programa tem anos, embora tenha sido melhorado, e possa ser ainda mais, com a evolução da situação económica, social, e o tempo, que permite melhores análises e pensamento. O problema, é de atitude. Ou melhor, da expectativa. Uma esquerda que não sente vontade de ganhar, é uma esquerda inútil.

A esperança chegou

“A esperança está a chegar” foi o slogan de campanha do Syriza durante estas duas semanas. Obviamente, far-se-ia esperar o momento da sua atualização: “A esperança chegou”. Ou melhor, “a esperança está aqui”, disse Alexis Tsipras nesta quinta-feira na Praça de Omonoia, Atenas. E aí lembram-nos um ponto importante da dinâmica dum partido da esquerda radical: só há estratégia se for para ganhar. Ela pode ser a maior maratona duma vida, mas no fim, é a vitória que a tem de mover. A vitória duma mudança profunda na sociedade. Não fazemos por menos e é isso que está sempre no centro. Sabemos o que as cedências neste ponto significam: derrotas. Sempre foi. Esperar contrário agora, é um exercício de auto-flagelação. A desistência não é o mesmo que resistir, pois claro. Mas mesmo a resistência só faz sentido se tiver uma constante procura de novos caminhos possíveis.

O momento histórico em que vivemos exige um sentimento positivo que combate o sentimento de derrota. Este último é o apanágio impregnado na esquerda por várias gerações. Não o de “não ganhar”, mas o da perda. Faz falta o combate feroz e esse desafio. Um desafio a quem não quer sair do ponto de partida tentando alcançar o pequeno ganho, mas quem quer ganhar, mesmo. Ganhar ao ter capacidade e força social para impor um programa que responde às ansiedades dum povo ao mesmo tempo que muda o sistema político, financeiro, económico e social. Num momento em que a esquerda portuguesa está estagnada, até pode soar esquisito. Mas como já foi dito: “as revoluções nascem de becos sem saída”. São muros que serão deitados abaixo, ou irão ditar a reprodução do sentimento de derrota pelas gerações que se seguirão. E novamente, as águas são separadas: entre os que querem lutar contra o sentimento de derrota, e os que estão preparados para esperar. No que diz respeito à segunda, já basta.

Nuno Moniz
Sobre o/a autor(a)

Nuno Moniz

Membro da Comissão Permanente do Bloco de Esquerda. Doutorando em Ciência de Computadores
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