Privados fazem calote e Estado paga

porPedro Filipe Soares

08 de March 2012 - 15:37
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O Governo de Passos Coelho usa os dinheiros públicos com leviandade para pagar dívida dos privados, mas impõe sacrifícios aos portugueses.

O Europarque, o Centro de Congressos em Santa Maria da Feira, faliu. Nestes momentos de aflição, repetiu-se o guião habitual. A Associação Empresarial de Portugal, proprietária do Europarque, virou-se para o parceiro do costume: o Estado. Ou melhor, para o dinheiro de todos os cidadãos. 31 milhões de euros, a pagar pelos suspeitos do costume que viram todos os impostos aumentar e já não sabem o que é o subsidio de natal ou de férias.

Inaugurado em 1995, pelo então primeiro-ministro Cavaco Silva, o negócio foi avalizado com a garantia de dinheiros públicos pelo ministro das Finanças desse Governo, Eduardo Catroga. Apresentado na altura como o exemplo de dinamismo da maior associação empresarial do país, já tinha arrecadado 30 milhões de euros em fundos europeus, mas a verdadeira fatura para os contribuintes chegou agora. O megaprojeto, nas palavras do próprio presidente da AEP, foi “um disparate, um flop, um investimento falhado”.

O Governo, ficámos a saber esta semana, já pagou a primeira parcela da dívida do Europarque. São 7,97 milhões de euros de um total de 31 milhões, mas o centro de congressos continua a ser gerido pela Associação Empresarial Portuguesa (AEP). O Estado paga tudo, mas não manda nada.

“Dei conhecimento ao Governo e à banca, o problema deixou de ser meu”. É assim, com a ligeireza apenas possível a quem sabe que nunca tem que assumir as responsabilidades pelos seus erros, porque há sempre um Governo disposto a abrir a nossa bolsa para sustentar os seus caprichos, que o presidente da associação empresarial resume o caso. É a impunidade à custa de dinheiros públicos.

A falência do Europarque é exemplar na forma como nos permite conhecer melhor a forma como Portugal foi governado e gerido nos últimos 25 anos.

Porque nos mostra um país onde milhares de milhões de euros de fundos comunitários foram deitados à rua na construção de elefantes brancos sem sentido ou utilidade.

Um país onde a classe empresarial passa os dias a propagandear a incapacidade do Estado gerir os dinheiros públicos, e que deve sair da Economia para dar lugar a quem o sabe fazer, mas depois não se aguenta de pé sem ser amparada pela mão amiga do Estado.

Um país onde sucessivos Governos se mostraram sempre menos interessados em defender o interesse público e o dinheiro dos contribuintes, do que em promover negócios privados nos quais o dinheiro público assume todo o risco e eventuais prejuízos.

Num país onde todos os contratos, incluindo as normas que supostamente garantiam os rendimentos, são rasgados semanalmente chega a ser ultrajante ver como, da Lusoponte à Ren, da EDP ao Europarque, há sempre tanto cuidado e zelo na proteção aos interesses privados.

Já deu para perceber que existem dois países. Um, onde em nome do cumprimento do acordo com a troika, tudo vale e não há contrato com os trabalhadores que se aguente de pé. Depois há o outro, onde respeitinho para com meia dúzia de empresas é muito bonito e aonde um contrato é mais sagrado que as tábuas dos dez mandamentos.

Que, na origem de mais este negócio ruinoso para os cofres públicos, esteja o responsável pelo programa eleitoral do PSD, não é uma nota de rodapé num caso muito mal contado.

O mesmo Eduardo Catroga, que passou meses e meses ao lado de Passos Coelho a teimar, repetidamente, que o país está como está porque os portugueses viveram acima das suas possibilidades, garantiu, quando era ministros das Finanças, que a AEP podia viver e gastar como não existisse amanhã que alguém estaria cá para lhe pagar as contas.

Cavaco Silva, que bem gosta de dizer a cada medida de austeridade que vai promulgando, que sempre avisou que o país não podia continuar num caminho de gastos desnecessários, foi quem avalizou politicamente o elefante-branco que agora outro governo PSD nos faz pagar.

O Governo de Passos Coelho paga, mas não gere. Assume compromisso de outros, mas não pede responsabilidades. Usa os dinheiros públicos com leviandade para pagar dívida dos privados, mas impõe sacrifícios aos portugueses.

Os privados fizeram um calote e o Estado foi chamado a pagar, mas tudo continua como se nada tivesse acontecido. Passaram oito meses desde que o Governo tomou posse, mas já deu para perceber que os sacrifícios, não batem a todas as portas. A algumas calha sempre o euromilhões.

Declaração política do Bloco de Esquerda na Assembleia da República em 8 de março de 2012

Pedro Filipe Soares
Sobre o/a autor(a)

Pedro Filipe Soares

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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