Sanções: O rolo compressor da chantagem política

Quando a Comissão Europeia (CE) “aprovou” o Orçamento do Estado de Portugal para 2017, embora com avisos de que iria manter uma vigilância apertada sobre o mesmo, já tinha deixado um historial de ameaças sobre imposições de sanções que acabaram por se tornar num dos assunto do ano.

30 de dezembro 2016 - 15:26
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As principais vítimas desta deriva punitiva são os países do sul, vergados a políticas de austeridade extremas que provocaram uma regressão social devastadora.

Os eurocratas da CE mantiveram assim aberto um caminho de chantagem com o objetivo de condicionar as políticas orçamentais que o acordo estabelecido entre PS, Bloco, PCP e PEV, após as legislativas de 4 de outubro, definiu para reverter as políticas de austeridades levadas a cabo durante o governo do PSD/CDS e que conduziram o país a uma das maiores crises sociais das últimas décadas.

Opondo-se na verdade a um governo disposto a pôr em prática medidas para travar o empobrecimento e repor gradualmente salários e pensões impostas pela troika, a Comissão Europeia que nos últimos anos cavou ainda mais o fosso entre os diversos Estados-membros da União Europeia, dava uma vez mais mostras de que olha para o espaço europeu através de um mecanismo que tem dos dois pesos e duas medidas.

As principais vítimas desta deriva punitiva são os países do sul, vergados a políticas de austeridade extremas que provocaram uma regressão social e política impensável há uns anos.

Seria difícil imaginar que o governo da Alemanha de Angela Merkel e Wolfgang Schäuble olhasse com bons olhos para uma prática política destinada a travar a privatização de setores estratégicos da economia nacional e não estivesse disposta a prosseguir a destruição do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública e das funções sociais do Estado, que são pilares vitais para a manutenção da qualidade de vida das populações e também referências das conquistas alcançadas com a democratização do país.

Seria difícil imaginar que o governo da Alemanha de Angela Merkel e Wolfgang Schäuble olhasse com bons olhos para uma prática política destinada a travar a privatização de setores estratégicos da economia nacional e não estivesse disposta a prosseguir a destruição do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública e das funções sociais do Estado

Assim, a CE, o diretório e o BCE entregaram-se a um processo destinado a limitar a política da maioria parlamentar e a degradar a sua imagem uma vez que Portugal deixou de ser em permanência “o bom aluno”, ou seja, aquele que, abdicando da soberania e dos interesses das populações, se limitava a obedecer deixando ainda o campo aberto para a implementação de mais medidas restritivas que no essencial tiveram sempre o objetivo de penalizar o povo português e em especial os trabalhadores e os reformados que em muitos momentos foram responsabilizados pela difícil situação económica e financeira que atingiu o país em 2010 e que se agravou substancialmente com a adoção das medidas impostas pela troika.

Este processo que tocou os limites do absurdo dada a sucessão quase diária de declarações sobre a inevitabilidade da aplicação de sanções a Portugal e Espanha, a que se seguiam outras em que era anunciado que as mesmas ficariam adiadas durante mais algum tempo, levou a coordenadora do Bloco, Catarina Martins a afirmar, em outubro, que “a novela das sanções da suspensão dos fundos estruturais já devia ter encerrado” uma vez que “este serve outro propósito que é ao mesmo tempo condicionar a negociação do Orçamento do Estado [para 2017] fazendo uma pressão gigantesca" para que o caminho da "recuperação de rendimentos e resposta às pessoas não continue”.

A "desilusão" de Dijsselbloem

O debate em torno das sanções revelou ainda outros aspetos caricatos, nomeadamente o de se de saber com exatidão se as mesmas se reportavam à execução orçamental de 2015 ou se eram uma mera previsão de que o OE para 2016 se mostrava incapaz de satisfazer as imposições de Bruxelas.

Esta dúvida deixou a nu as políticas levadas a cabo pelo governo PSD/CDS e desmontou para quem ainda tivesse dúvidas que os cortes contínuos, que foram a imagem de marca da sua atuação, serviram apenas para aumentar as desigualdades.

As manobras de engenharia financeira ficaram à mostra de todos a par da hipocrisia dos decisores da UE que nunca tomaram como missão primordial a solidariedade em relação a um país em dificuldades, preferindo abrir o caminho para o enriquecimento dos especuladores financeiros que pululam nos corredores de Bruxelas.

Talvez por essa razão e para não colocar em causa a tão propalada “saída limpa” que Passos Coelho e Paulo Portas repetiram até à náusea após o cumprimento do programa de austeridade da troika, deixaram uma vez mais crescer um labirinto de dúvidas continuando apenas a insistir na necessidade de aplicar as regras dos Procedimentos por Défice Excessivo.

Neste jogo de contornos muito duvidosos, cabe ainda salientar a desilusão manifestada, no final de julho, pelo presidente do Eurogrupo e ministro das Finanças da Holanda, Jeroen Dijsselbloem, que, a propósito de mais um recuo em relação à aplicação de sanções pela CE, veio manifestar publicamente o seu “desapontamento” tendo afirmado: “É dececionante que não haja seguimento da conclusão de que Espanha e Portugal não tomaram ações eficazes para consolidar os seus orçamentos”.

Dijsselbloem, um dos mais férreos defensores da ortodoxia punitiva que é hoje a imagem de marca da União Europeia, não deixou no entanto de acrescentar que “deve ficar claro que, apesar de todos os esforços realizados, Espanha e Portugal ainda estão em perigo”.

As ameaças continuaram assim a pairar sobre um país apostado em reerguer-se dos dramas e humilhações que lhe tinham sido infligidos num passado muito recente.

"A punição como “incentivo”

Em outubro, a deputado europeia do Bloco, Marisa Matias questionou no Parlamento Europeu, o comissário do Emprego, Crescimento, Investimento e Competitividade, Jyrki Kaitanen, sobre o que entendia como incentivo e sanção já que este tinha considerado que as sanções a aplicar a Portugal e Espanha “funcionariam como um incentivo”.

“Não é um incentivo. Vocês na Comissão [Europeia] falam uma língua estranha. Muitos de nós não gostam do trabalho que o senhor faz e se decidirmos suspender metade do seu salário entende como um incentivo ou sanção?” perguntou a eurodeputada.

Antes, Marisa Matias tinha classificado a austeridade como “um crime contra o que resta do processo europeu” e lembrou que “os portugueses e espanhóis sofreram na pele e ainda sofrem as consequências das políticas de austeridade que lhes foi imposta durante anos”.

Marisa Matias falou em sanções absurdas e contraproducentes, além de profundamente injustas depois de os dois países terem sido obrigados a reduzir os níveis de investimento para quase nada porque todo o investimento atingiu mínimos recorde em Portugal e Espanha.

 

 

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