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Um ano de acordo à esquerda
Apesar da chantagem permanente e da pressão europeia exercida sobre o nosso país, e ainda da teoria da hecatombe e da vinda do diabo tão propalada pela direita, o apocalipse não se confirmou.
O que se confirmou, isso sim, foi um caminho de recuperação do emprego e de reposição de rendimentos. E para quem anunciava um descontrolo absoluto do défice, convém lembrar que o governo PS conseguiu fazer o que o governo de direita não foi capaz de fazer em quatro anos.
O acordo político estabelecido entre Bloco e PS após as legislativas de 2015 permitiu, até ao momento, um ano de governo que não só cumpriu quase todas as medidas que nele estão inscritas como também implementou mais medidas sobre as quais não existia acordo prévio, como é o caso do aumento extraordinário das pensões mais baixas, o mais elevado da década.
O primeiro ano parlamentar da maioria de esquerda ficou marcado pela reversão de medidas do anterior Governo PSD/CDS e pela recuperação de rendimentos, com a restituição faseada da totalidade dos cortes salariais no setor público e das pensões, a reposição das 35 horas semanais de trabalho e dos feriados nacionais suspensos em 2013 e o aumento do salário mínimo. No que concerne às prestações sociais, foram aumentados os valores de referência do CSI e do RSI e os três primeiros escalões do abono de família.
A nível fiscal, foi possível introduzir uma cláusula de salvaguarda ao IMI, que limita os aumentos deste imposto no caso de habitação própria permanente de baixo valor; eliminar a isenção do IMI e do IMT aos fundos imobiliários e introduzir um adicional ao IMI para património de luxo; proibir as execuções fiscais sobre a casa de morada de família por dívidas fiscais; reduzir o IVA da restauração para 13%; diminuir a sobretaxa de IRS para os rendimentos médios e baixos em 2016, que será extinta em 2017; e eliminar, no IRS, o quociente familiar e introduzir a dedução fixa por filho.
As negociações sobre a precariedade entre Bloco e PS permitiram a alteração a uma lei que combate a precariedade no setor privado, o reforço da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) na regularização de falsos recibos e outros vínculos ilegais, e o acordo de princípio para integrar os precários do Estado.
Já medidas como a renegociação dos contratos de associação e a gratuitidade dos manuais escolares, defendidas pelo Bloco e que vieram a ser introduzidas pelo atual Governo, pugnaram pela defesa da Escola Pública.
Tal como previsto no acordo firmado em 2015, foi ainda revertida a privatização dos transporte público de Lisboa e Porto.
No Orçamento do Estado (OE) para 2016, o Bloco viu aprovadas inúmeras propostas que tornaram o OE mais justo, entre as quais uma proposta para que a tarifa social da energia do gás e da eletricidade passasse a ser automática. O Governo aplicou-a este ano, o que permitiu que o número de famílias beneficiárias da tarifa social da eletricidade subisse para 690 mil. Entretanto, o Grupo Parlamentar do Bloco avançou com uma proposta para alargar os critérios da eletricidade à atribuição da tarifa social da água. Esta foi uma das propostas bloquistas que vieram a ser introduzidas no Orçamento do Estado para 2017.
No último plenário da primeira sessão legislativa, que teve lugar em julho, o Bloco de Esquerda viu também aprovadas várias das suas iniciativas, que visavam a legalização da gestação de substituição, garantindo o direito à maternidade às mulheres impossibilitadas de ter filhos, o alargamento da oferta dos serviços de TDT, o combate ao trabalho forçado, a eliminação das apresentações quinzenais dos desempregados, pondo fim a esta humilhação inútil e à lógica de culpabilização e de suspeição sobre os mesmos, a proteção aos docentes em situação de doença incapacitante e a constituição de uma auditoria forense às operações de crédito da CGD.
O primeiro ano parlamentar da maioria de esquerda ficou ainda marcado pelo fim da exclusão dos casais do mesmo sexo nas candidaturas à adoção, pela eliminação das discriminações de estado civil e de orientação sexual no acesso à procriação medicamente assistida, bem como pela exigência do respeito pela dignidade das mulheres, mediante a revogação das alterações à lei da interrupção voluntária da gravidez (IVG), que PSD e CDS impuseram no último plenário da anterior legislatura, introduzindo taxas moderadoras e a obrigatoriedade da mulher comparecer a consultas com um psicólogo e um técnico de serviço social.
No que respeita às medidas do acordo firmado entre Bloco e PS que ainda estão por concretizar, destaca-se o descongelamento de carreiras e salários na Função Pública e a maior progressividade dos escalões do IRS.
Reconhecendo as importantes conquistas que já foram alcançadas graças ao acordo que viabiliza o atual governo do PS, e que tanto impacto têm vindo a ter na economia do país e nas condições de vida das famílias que nele vivem, o Bloco não deixa de assinalar o muito que ainda há por fazer, e que espera vir a ser alcançado no futuro, por exemplo, no que concerne ao combate às rendas na saúde e da energia.
Os bloquistas também não se abstêm de se oporem veementemente a medidas como a redução da Taxa Social Única (TSU) paga pelos patrões, que penaliza fortemente os contribuintes - com o Estado a afetar mais de 60 milhões de dinheiro público para compensar a descida da TSU - e que constituiu um verdadeiro subsídio ao salário mínimo, podendo inclusive tornar-se num incentivo ao salário mínimo. Bem como também não deixam de expressar a sua discordância face à ideia de que o salário mínimo nacional é uma política social, tal como avançou António Costa durante o debate quinzenal.
Nesse sentido, a descida da TSU de 23,75% para 22,5% como contrapartida do aumento do salário mínimo nacional (SMN) para 557 euros, acordada entre as confederações patronais e o governo, vai ser submetida a debate na Assembleia da República por iniciativa bloquista.
Um longo caminho pela frente no combate à precariedade
Não obstante a importância do acordo de princípio entre Bloco e PS sobre a integração de todos os precários do Estado, nada está garantido, sendo preocupante que ainda não tenha sido divulgado o relatório que o Governo prometeu entregar até outubro com os números da precariedade nos serviços públicos, que servirá de base ao processo de integração destes trabalhadores. Os bloquistas prometem estar atentos e atuantes na luta pela integração dos precários do Estado e apelam à mobilização para garantir que nenhum precário seja excluído do processo: “precisamos de ser um país que se levanta pelos direitos das pessoas”.
Destacando que “é responsabilidade desta maioria responder à reposição de todos os salários, e não só à reposição dos salários na Função Pública”, o Bloco assinala ainda como prioridade limpar o Código de Trabalho das medidas da troika, por forma a garantir a recuperação dos rendimentos que foram subtraídos aos trabalhadores.
Recusar submissão ao setor financeiro e reestruturar a dívida
Ao longo deste ano, o Bloco tem assumido de forma transparente as suas divergências com o Partido Socialista no que respeita a questões económicas estratégicas.
Essa oposição foi flagrante no que respeita ao caso da resolução do Banif, o que levou, inclusive, os bloquistas a votarem contra o Orçamento Retificativo para 2015, na escolha da liderança da CGD – com o Bloco a opor-se firmemente a retirar a administração da CGD do âmbito legal dos gestores públicos e a isentar a mesma de apresentar a sua declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional -; na gestão do Novo Banco; e na aceitação de capitais estrangeiros no BCP e BPI.
A política do Governo do PS tem vindo a ser, ao longo deste ano, alvo de críticas por parte do Bloco no que respeita à gestão da dívida pública e à necessidade de a reestruturar.
Lembrando que, no Orçamento do Estado para 2017, se prevê gastar mais de 8 mil milhões de euros só em juros da dívida, quase tanto como em todo o Serviço Nacional de Saúde, e mais do que na Escola Pública, Catarina Martins defende que “os juros da dívida põem em causa a soberania do país e a sua capacidade de fazer escolhas”, sendo que “a única forma de controlar este problema é reestruturar a dívida”.
A coordenadora bloquista defende que “Portugal precisa de libertar os recursos para a qualificação dos seus serviços públicos – como a Saúde e a Educação - e não tem os meios se continuar a aceitar regras europeias que nos retiram capacidade de fazer uso dos nossos recursos e se não faz uma reestruturação da dívida”.
Em causa estão, segundo Catarina Martins, “regras orçamentais e regras da moeda única que servem o sistema financeiro contra as pessoas e contra os povos e limitam as opções democráticas e soberanas dos países”.
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