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Quem ganha com as Parcerias Público Privadas?

O relatório preliminar da Auditoria Cidadã à Dívida Pública permite-nos conhecer melhor a gigantesca operação de transferência de capitais para os maiores grupos privados da finança e construção. Selecionámos alguns excertos do relatório que dizem respeito às PPP para este dossier.
Entre os maiores beneficiários das PPP estão as grandes empresas de construção. Foto Paulete Matos.

Neste dossier, publicamos alguns excertos de "Conhecer a Dívida para Sair da Armadilha", o relatório preliminar do grupo técnico da Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida. Ler aqui o relatório completo.


Portugal é o país “Campeão do Mundo” em parcerias publico-privadas (PPP), com o maior gasto em PPP em relação ao PIB (quase 11%) (Fonte: Observatório PPP da Universidade Católica). As Parcerias Público-Privadas têm contribuído para um agravamento da dívida pública, com injustificadas taxas de rentabilidade para os consórcios privados que as promoveram. 

Em Portugal existem pelos menos 120 parcerias publico-privadas negociadas diretamente com o Estado Central, além de centenas de outras a nível local estabelecidas com órgãos do poder local e com outras empresas do Estado. Dado o elevado número de parcerias, Portugal era em 2004 o país com maior exposição aos empréstimos do Banco Europeu de Investimento (BEI), com 2,804 milhões de euros (Cruz, C. e Marques, R. O Estado e as Parcerias Público-Privadas, 2012) Grande parte desta exposição decorre do recurso ao financiamento do BEI no quadro das PPP. Esta situação agravou-se acentuadamente desde 2004. Em 2007, o recurso ao BEI para PPP foi de 285 milhões de euros, em 2008 de 839 milhões, em 2009 de 290 milhões e em 2010 de 945 milhões. No início de dezembro de 2012, o Estado deu uma nova garantia de carteira no valor de 2,8 mil milhões de euros.

O investimento em PPP não é contabilizado como despesa pública, sendo por isso uma estratégia eficaz de desorçamentação do investimento público. Não é, portanto, descabido dizer que as PPP empurram para o futuro a despesa de investimento presente. 

Os gastos públicos com PPP têm sempre tendência a aumentar, não só pela sempre presente renegociação dos contratos, mas também pela exigência de reequilíbrio financeiro. Sempre que o Estado procede a uma modificação unilateral no contrato (o que acontece com muita frequência, em virtude de os “negociadores” da Entidade Pública, aquando da assinatura do contrato, não terem previsto todas as condicionantes futuras), os parceiros privados exigem um processo de reequilíbrio financeiro para garantir a manutenção das condições de lucro inicialmente contratualizadas, que é assegurado com dinheiro público.

Quem tem ganho com as PPP?

A maioria das transferência de recursos públicos para o setor privado tem beneficiado apenas quatro grandes empresas (cinco, agora que a EDP foi privatizada pela chinesa Three Gorges): Mota-Engil, BES, Mello e Soares da Costa. Estima-se que o Grupo Espírito Santo beneficará no total dos encargos brutos das PPP de 4.737 milhões de euros, a Mota-Engil em 5.083 milhões de euros, o grupo José de Mello em 3.207 milhões e a Soares da Costa em 2.877 milhões (Exame, 2011 – Quem ganha os milhões das PPP?). 

Entre as várias fundamentações recorrentemente utilizadas pelos defensores das PPP está a seleção mais rigorosa de projetos. Isto é, só os projetos com viabilidade financeira seriam aceites. A experiência tem vindo a revelar uma realidade muito diferente. No caso das PPP rodoviárias, as estimativas de tráfego tendem a ser sobrestimadas. Em 2010, 40% das autoestradas portuguesas tinham tráfego médio diário abaixo dos 10.000 veículos - o critério utilizado para justificar a construção de uma autoestrada segundo o Instituto de Infraestruturas Rodoviárias, (INIR). No final de 2011, já são mais de 1.500 km (60%) das autoestradas que estão abaixo do tráfego médio diário de 10.000 veículos. 

Um estudo recente do Observatório das PPP da Universidade Católica defende que a melhor saída para as PPP neste momento seria a compra pelo Estado das SCUT por um valor da ordem dos 3,5 aos 5 mil milhões de euros, cerca de 2% do PIB (o que representaria, segundo o estudo, uma poupança de 400 milhões de euros anuais). O que este estudo pretende mostrar é que a “nacionalização” das PPP beneficiaria quer o Estado, quer os privados: “A falta de liquidez de algumas empresas e a necessidade dos bancos de encaixar dinheiro reúnem as condições ideais para a concretização da operação.”

A velocidade com que a proposta da “nacionalização” das PPP se está a disseminar sugere que, apesar, dos contratos cuidadosamente desenhados a favor dos interesses privados em alguns setores, nomeadamente no rodoviário, o negócio deixou de ser vantajoso. Desta forma, as PPP, que  serviram para estas empresas e estes bancos para um encaixe constante durante os últimos anos, culminarão num último grande encaixe financeiro, fechando com chave de ouro o saque aos cofres do Estado. 

Lusoponte: o grande aspirador financeiro 

O caso Lusoponte foi pioneiro nas PPP (Cavaco Silva/Ferreira do Amaral, 1992), estendendo-se depois (e até hoje) a diversos setores de atividade: saúde, energia, ambiente, ferroviário, rodoviário. O financiamento dos necessários 897 milhões de euros (total do projeto) foi do Fundo Europeu de Coesão (35%), BEI (33%), portagens da ponte 25 de Abril (6%), ficando apenas 26% para os acionistas (os construtores Bento Pedroso, Mota & Ca, Somague, Teixeira Duarte eram a maioria dos nacionais), governo e outros.

Ao contrato seguiram-se acordos de reequilíbrio financeiro (em número de nove até hoje), por razões de variação de taxas de juro, por alterações tarifárias, em alguns casos sem razão compreensível. Uma característica une estes acordos: os benefícios reverteram sempre e apenas para a Lusoponte, degradando o contrato inicial e prejudicando os contribuintes.

Houve sempre um excesso de recurso a consultores externos financeiros e jurídicos (por vezes com conflitos de interesses), os contratos foram redigidos em escritórios de advogados, tendo em conta que durante 11 anos não havia sequer legislação para PPP. Os agentes do Estado eram mudados com frequência, a experiência não se acumulou, a supervisão era fraca (chegando-se à ocultação de receitas), os serviços do Estado atuavam descoordenados. Tudo isto contribuiu para a perda de capacidade do Estado na defesa do interesse público. 

Em 2000/2011 (durante o Governo de António Guterres, primeiro com Jorge Coelho e depois com Ferro Rodrigues) foi feita uma grande revisão do contrato, da qual resultou um importante acordo de reequilíbrio, uma profunda alteração do “caso base” contratual e várias vantagens muito substanciais para o privado.

O refinanciamento então ocorrido mostra que os acionistas entraram com apenas 6% e a banca comercial com 11% (mantendo-se o Fundo Europeu, BEI, etc).

Assistimos então à “dispensa” da manutenção da ponte 25 de Abril (100 milhões de euros), a uma compensação direta de 250 milhões de euros durante 20 anos e ainda à eliminação do risco de tráfego (passagem a prazo fixo de 35 anos), estimada num encaixe para a Lusoponte de 558 milhões de euros nesse período. Encontramos ainda benefícios fiscais, comparticipação do Estado em acessos, a garantia de uma TIR fixa de 13,65% e até à dúvida sobre o pagamento de compensações ambientais ao extinguir a Fundação das Salinas do Samouco.

A Lusoponte detém a exclusividade das travessias do Tejo até Vila Franca.

No caso Lusoponte, projeto fundador e piloto no desenho de várias peças do grande aspirador financeiro que foi sendo montado, figuram dois casos notáveis de migração de altos responsáveis políticos: o então ministro Ferreira do Amaral que assinou o contrato com a Lusoponte nessa qualidade, presidindo anos depois (e até hoje) à Lusoponte e o então ministro Jorge Coelho (que o foi também nas Obras Públicas), passando mais tarde a CEO do principal acionista Mota Engil (e seu Vice-Presidente), sobrando ainda um lugar de administrador para o ex-ministro Valente de Oliveira.

PPP na Saúde: uma fatura sempre a aumentar

Dos 50 mil milhões de euros de gastos plurianuais previstos com as PPP em Portugal, 8 mil milhões pertencem ao setor da saúde. Em 2011, os encargos previstos totalizaram 228 milhões de euros, mais 32,5% do que em 2010. Os gastos públicos vão aumentar significativamente nos próximos 10 anos. 

As atuais parcerias público-privadas (PPP) na área da saúde foram anunciadas em 2001, num projeto que previa a construção de dez novos hospitais, alguns de substituição, outros a construir de raiz. Numa primeira vaga seriam construídos o Hospital de Cascais, Braga, Loures, Vila Franca de Xira e posteriormente os Hospitais de Lisboa Oriental, Faro, Seixal, Évora, Vila Nova de Gaia e Póvoa do Varzim/Vila do Conde.

O Estado tinha já uma experiência prévia de gestão privada em hospitais públicos. Em 1996 a gestão clínica do Hospital Amadora-Sintra foi entregue ao Grupo Mello Saúde. Essa experiência viria a terminar em 2008. O processo chegou a ser auditado pelo Tribunal de Contas e o Grupo Mello multado, tendo depois interposto recurso. Todavia, o mesmo Governo, que terminou o contrato de concessão no Hospital Amadora-Sintra, atribuiu a gestão do novo Hospital de Braga e de Vila Franca de Xira  ao mesmo grupo privado.

As PPP na Saúde, ao longo dos últimos 10 anos, mostram fortes indícios de promiscuidade e conflitos de interesses entre o Estado e os grupos privados, com benefício para os últimos. São vários os decisores políticos do passado que são hoje administradores dos grupos privados desta área. Na Saúde destacamos dois: Luís Filipe Pereira, foi sempre administrador do grupo Mello Saúde, com um intervalo de três anos para ser Ministro da Saúde do Governo de Durão Barroso, tendo sido nessa fase o responsável pelas PPP na área da Saúde que mais tarde atribuíram ao grupo Mello dois hospitais públicos; Pedro Dias Alves começou por ser administrador do Hospital Amadora-Sintra pelo Grupo Mello para depois ser o responsável público pela avaliação das propostas de PPP para o Hospital de Lisboa Oriental e Algarve. Atualmente é administrador dos HPP.

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