O Manifesto Anti-Praxe de 2003

Em 2003, o Movimento Anti-Tradição Académica juntou-se ao coletivo Antípodas e à República das Marias do Loureiro para lançar um desafio a personalidades de dentro e fora do meio académico: juntarem-se pela primeira vez numa tomada de posição pública contra as praxes.

09 de fevereiro 2014 - 3:05
PARTILHAR

O Movimento Anti-Tradição Académica (MATA) surgiu na década de 90 e na década seguinte foi ganhando maior expressão organizada do combate às praxes, contribuindo para que alguns dos abusos chegassem ao conhecimento público e acompanhando e apoiando quem recorreu à justiça. Com poucas dezenas de membros espalhados por um punhado de escolas em Lisboa, conseguiu tornar-se no agente polarizador da oposição a uma prática que fora introduzida nas instituições do Ensino Superior e que beneficiou da passividade de estudantes e professores para poder crescer e instalar-se.

Em 2003, o MATA juntou-se a outro coletivo antipraxe do Porto, o Antípodas, e à República das Marias do Loureiro, de Coimbra. O objetivo era voltar a provocar o debate público sobre as praxes, convidando figuras de referência dentro e fora do meio académico a assinarem uma tomada de posição conjunta. Entre os subscritores estão os músicos José Mário Branco, Pacman, Rui Júnior, Miguel Guedes e Pedro Abrunhosa, a atleta Rosa Mota e professores universitários como Sobrinho Simões, António Reis e João Teixeira Lopes. Na lista contam-se ainda personalidades entretanto desaparecidas, como José Saramago, Eduardo Prado Coelho, João Aguardela, Raul Solnado ou Saldanha Sanches.


Manifesto Anti-praxe
Contra o cinzentismo da praxe

Porque vemos na praxe uma prática que atenta contra os mais elementares direitos humanos, nomeadamente a liberdade, a igualdade, a integridade física e psicológica e a livre expressão da individualidade, ao mesmo tempo que exalta os valores mais reaccionários da nossa sociedade.

Porque não vemos qualquer motivo para a existência de hierarquias entre estudantes, tendo em conta que todos/as devem ser tratados/as por igual nas relações interpessoais.

Porque acreditamos que a tradição nunca poderá ser um entrave à mudança e, muito menos, poderá alguma vez legitimar um comportamento inaceitável em qualquer sociedade.

Porque não aceitamos o poder auto-instituído e nada democrático dos organismos da praxe, que se constituem em estruturas paralelas com regras próprias.

Defendemos que a recepção aos/às novos alunos/as, sempre que se justifique a sua existência, se deve basear em relações de igualdade. Nesta iniciativa, os/as estudantes olhar-se-ão nos olhos e tratar-se-ão por "tu", construindo um conjunto de redes de solidariedade e de camaradagem não exclusivas. Todos/as se divertirão por igual, deixando a diversão de uns de ser a humilhação de outros/as. Desta forma, incentivar-se-á o verdadeiro altruísmo que consiste em ajudar os/as outros/as sem exigir qualquer contrapartida.

Defendemos igualmente que a faculdade deve ser uma instituição aberta ao mundo que a rodeia, transformando-o e sendo por ele transformada. Uma instituição que deve proporcionar a livre intervenção e fomentar a criatividade, não impondo códigos de conduta nem promovendo a segregação. Mas este ideal nunca será concretizável enquanto o espírito da praxe reinar na faculdade.

Exigimos ainda que as instituições de Ensino Superior tomem sobre si a responsabilidade de prestar todas as informações e aconselhamento necessários aos/às estudantes, quebrando assim com o princípio paternalista do "apadrinhamento" que compromete e fragiliza a autonomia dos recém-chegados.

Exercemos desta forma o nosso direito à indignação. Como parte da sociedade civil pensamos que o que se passa no interior das faculdades diz respeito a todos/as. Logo, jamais poderemos fechar os olhos à triste realidade das "tradições académicas". E juntamos a nossa voz à voz de todos e todas que lutam diariamente contra o cinzentismo da praxe e se batem por uma faculdade crítica, aberta e democrática!

Subscritores:
Ana Drago, Socióloga
António Reis, Prof. Universitário
Baptista Bastos, Escritor
Carlos Tê, Compositor
Catarina Portas, Jornalista
E. Prado Coelho, Prof. Universitário
Garcia Pereira, Advogado
João Aguardela, Músico (ex-Sitiados)
João Cutileiro, Escultor
João Teixeira Lopes, Sociólogo
José Mário Branco, Músico
José Pedro Gomes, Actor
José Saramago, Escritor
Lídia Franco, Actriz
Manuel Cruz, Músico (ex-Ornatos Violeta)
Manuel Graça Dias, Arquitecto
Maria José Morgado, Magistrada
Mário Mata, Músico
Miguel Guedes, Músico
Pacman, Músico (Da Weasel)
Pedro Abrunhosa, Músico
Raúl Solnado, Actor
Rita Ferro, Escritora
Rosa Mota, ex-Atleta
Rui Júnior, Músico (TocáRufar)
Saldanha Sanches, Prof. Universitário
Sérgio Godinho, Músico
Sobrinho Simões, Prof. Universitário
Vitorino, Músico

Termos relacionados: