O que dizia o relatório parlamentar de 2008 sobre as praxes

Por iniciativa do Bloco de Esquerda, a Comissão de Educação e Ciência da Assembleia da República discutiu as praxes e recolheu contributos do meio académico. Mas as conclusões e propostas concretas nunca foram seguidas pelos governos.

09 de fevereiro 2014 - 4:08
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O relatório de Abril de 2008, da autoria de Ana Drago, começa por resumir a história das praxes no país e alertar para a ausência de um estudo exaustivo sobre a realidade atual, apresentando também uma cronologia de alguns casos divulgados pela comunicação social.

O debate na comissão parlamentar de Educação e Ciência, presidida na altura por António José Seguro, acolheu contributos de instituições do ensino superior público e privado e associações de estudantes. Do inquérito enviado a todas as instituições em janeiro de 2008, a comissão recebeu de volta 38 respostas dois meses depois. O relatório destaca a tendência das associações de estudantes que responderam ao inquérito “a assumir uma posição de maior defesa das práticas e dos princípios subjacentes às praxes académicas, sublinhando de modo tendencialmente mais enfático a sua importância na integração dos novos alunos nas diversas instituições”, embora ao mesmo tempo “não deixa de ser reconhecida a gravidade dos abusos e reconhecido o risco latente de ocorrências, sendo em regra veemente a sua condenação”.

Quanto ao fenómeno das praxes violentas, o relatório afirma que a generalidade das respostas apontava para “a inexistência ou afirmação de desconhecimento de situações concretas nos tempos mais recentes” e para o entendimento que “a gestão concreta das situações de transgressão das normas instituídas deve caber às comissões de praxe ou, em menor grau, às associações de estudantes que promovam actividades de recepção dos novos alunos."

Universidades: cá dentro é proibido, lá fora é com eles

O relatório assinala ainda que “é perceptível, no conjunto de respostas, o intuito, por parte dos órgãos de gestão, em situar as praxes académicas num espaço que, de algum modo, seja exterior, ou em certa medida paralelo, à própria instituição”. Desse modo, muitos responderam que se encontra proibida a realização de praxes no interior da instituição, um argumento que serve para justificar não haver necessidade de regulamentação interna deste fenómeno, uma vez que as queixas dos abusos devem ser entregues às autoridades judiciais. E sobretudo, é uma medida preventiva que permite às universidades escaparem a pesadas indemnizações em caso de acidente ou morte dentro do seu espaço.

Outras respostas sugeriam a necessidade de mais articulação entre órgãos de gestão, associações de estudantes e comissões de praxe para combater e punir as situações de abuso, ou mesmo de regulamentos internos que se sobrepusessem aos códigos de praxe, assim colmatando “a insuficiência ou ineficácia das formas de auto-regulação das praxes”. E outras ainda defendiam que como “universo autónomo e em certa medida exterior às próprias instituições”, as praxes devem ser autoreguladas pelos estudantes, através dos seus organismos próprios.

Conclusões apontam o dedo à “demissão das universidades“ na receção aos estudantes

Uma das primeiras conclusões do relatório é que “a praxe constitui, num elevado número de instituições, a única forma organizada de receber os estudantes no ensino superior” e que as situações de violência nas praxes “existem porque há uma estrutura de relações que as sustentam e que, baseando-se na obediência dos mais novos em relação aos mais velhos e na sujeição daqueles às ordens destes, abre espaços para o abuso e a violência”.

“O facto de grande parte das instituições se terem demitido de criar espaços igualitários de recepção ao novo aluno levou a que a praxe se impusesse como obrigatória, na prática, para muitos estudantes”, acrescenta o relatório, sublinhando que o reforço dessa hegemonia em muito se deve “à desinformação e a inacção” das instituições. Mais: esta “ausência de regulação fez com que as situações de violência praxista em Portugal se tenham vindo a banalizar, muitas vezes com a complacência e a cumplicidade das próprias instituições e dos seus órgãos directivos, em muitos casos assim responsáveis pela ausência de medidas concretas e, nas escolas, pela ridicularização de quem denuncia as agressões”.

O próprio Ministério da Ciência e do Ensino Superior é visado nas conclusões do relatório, por lhe caber a responsabilidade de fomentar “uma cultura de democracia e de igualdade nas escolas do ensino superior, e que por conseguinte rejeite “culturas” de obediência e de discriminação, que originam muitos dos abusos que acontecem no âmbito da praxe”.

Quatro propostas que acabaram no cesto dos papéis

O relatório apresentado por Ana Drago fazia quatro propostas de recomendação por parte da comissão parlamentar. A primeira visava a realização de um “estudo nacional sobre a realidade da praxe em Portugal, levado a cabo por uma equipa multidisciplinar independente de um centro de investigação de uma universidade pública de comprovada idoneidade”, com o financiamento do estudo a cargo do Ministério da Ciência e do Ensino Superior e a publicação online dos seus resultados.

A segunda proposta era a da “criação de instrumentos que promovam a divulgação de informação sobre a questão da praxe nos meios estudantis”, como a edição de um folheto informativo entregue no ato de candidatura ao ensino superior, clarificando os direitos dos estudantes e divulgando os meios de apoio, alerta e denúncia ao dispor dos estudantes. O relatório propunha ainda a “criação de uma rede de apoio aos estudantes do ensino superior”, disponibilizando ajuda psicológica e jurídica a quem o solicitasse ou denunciasse situações de praxe violenta ou não consentida. Por último, a comissão recomendava ao governo que procedesse à “sistematização e divulgação activa de boas práticas” desenvolvidas por algumas instituições para combater o fenómeno das praxes violentas.

Estas propostas foram acompanhadas de sugestões concretas, como a criação de uma “linha verde” de alerta, denúncia e atendimento dos estudantes vítimas ou a recomendação “aos órgãos directivos das escolas que devem assumir uma postura que não legitime as práticas de praxes violentas”, nomeadamente excluindo as comissões de praxe das cerimónias oficiais das instituições.

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