Casamento: vitória amarga
O ano ficou marcado pelo incontestável avanço em termos de direitos LGBT, mas a vitótia teve um sabor amargo.
A polémica lei que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi promulgada pelo Presidente da República a 17 de Maio, no penúltimo dia do prazo e após o fim da visita do Papa a Portugal. Depois de ter submetido o diploma à fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional - que o considerou constitucional - Cavaco Silva acabaria por promulgar o diploma no Dia Mundial contra a Homofobia.
O diploma publicado em Diário da República, no final de Maio, teve origem numa proposta do Governo e foi aprovado pelo Parlamento, em votação final global, no dia 8 de Janeiro, com os votos favoráveis de PS, BE, PCP e PEV e contra do CDS-PP. No PSD houve liberdade de voto e seis deputados abstiveram-se, enquanto os restantes votaram contra a alteração da noção de casamento estabelecida no Código Civil.
O diploma retirou do Código Civil a expressão "de sexo diferente" na definição de casamento.
Por aprovar ficou o diploma apresentado pelo Bloco de Esquerda que propunha o fim da discriminação na adopção por casais do mesmo sexo.
Logo no início de Janeiro, uma petição chegou ao parlamento com a proposta de realização de um referendo sobre esta temática, mas Bloco de Esquerda, PS, PCP e PEV chumbaram a tentativa da direita conservadora.
Num ano de lutas ganhadoras, entre outros recuos, as Marchas pelos direitos das pessoas LGBT , em Lisboa e no Porto foram muito participadas, aliás, como nunca tinham sido. Pela parentalidade, pela adopção, pela igualdade de género e, sobretudo, contra a discriminação, 2 mil pessoas manifestaram-se na Marcha do Orgulho LGBT, no Porto, e outras 5 mil em Lisboa.
Mudança de sexo no registo civil foi simplificada
A Assembleia da República aprovou, em Novembro, uma lei que regula “o procedimento de mudança de sexo no registo civil e correspondente alteração de nome próprio”, acabando com uma discriminação inaceitável que há muito penaliza os/as transexuais portugueses/as.
A aprovação desta lei, que contou com os votos favoráveis do PS, Bloco de Esquerda, PCP, Verdes e de 12 deputados do PSD, com a abstenção de outros 9 deputados do PSD e com os votos contra da restante bancada do PSD, do CDS e de duas deputadas do PS, constitui um marco histórico no nosso país.
A lei aprovada resultou de um trabalho na especialidade, no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que congregou as propostas do Bloco de Esquerda e do Governo e incorporou ainda algumas das preocupações transmitidas durante as audições.
Na prática, simplificou-se a mudança de sexo no registo civil. Antes, o processo judicial para mudar o registo civil demorava em média entre dois a três anos. O combate contra a transfobia e a discriminação, esse mantém-se actual e continua.
Uniões de Facto: nova lei repõe justiça
O diploma que altera a lei das Uniões de Facto recebeu a assinatura de Cavaco Silva em Agosto. Tratou-se de um passo fundamental no sentido da igualdade de direitos para as pessoas que vivem em união de facto. Com as mudanças introduzidas com a nova lei, quem vive em união de facto passa a beneficiar de mais garantias, como o regime jurídico aplicável aos casados em matéria de férias, feriados, faltas e licenças.
Em matéria fiscal e de segurança social, o IRS será calculado nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e consagra-se o direito a uma protecção social na eventualidade de morte do beneficiário e a uma prestação por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional. Em caso de morte de um membro da união de facto que seja proprietário da casa onde vivam, o elemento sobrevivo poderá permanecer durante cinco anos na casa ou em alternativa por “tempo igual ao da duração da união”, caso seja superior.
Fim da discriminação homofóbica nos dadores de sangue
O Parlamento aprovou em Abril passado uma resolução, proposta pelo Bloco de Esquerda, que recomenda ao Governo a adopção de medidas que visem combater a actual discriminação dos homossexuais e bissexuais nos serviços de recolha de sangue. O projecto de resolução mereceu os votos favoráveis das bancadas de Bloco, PCP, PS, PSD e do deputado João Rebelo do CDS-PP e a abstenção do CDS-PP e de Teresa Venda deputada independente do PS. A resolução aprovada visa eliminar as perguntas sobre a orientação sexual dos dadores, incluídas nos questionários das unidades e serviços dependentes do Instituto Português de Sangue (IPS).
Esta discriminação foi também sinalizada pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), que endereçou, em Agosto, um parecer ao IPS instando à supressão de questões daquele tipo. “O senhor presidente do Instituto Português do Sangue, deverá, tão rapidamente quanto possível, agir em conformidade”, reiterou Elza Pais, presidente da CIG.
Aumenta violência contra as Mulheres
A forma de violência contra as mulheres mais dramática, a violência doméstica, tem ganho cada vez mais expressividade em Portugal e este é um dos recuos mais significativos em termos de construção de um país mais igual e mais feminista. Segundo o Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA) da UMAR, até Novembro de 2010, 39 mulheres foram assassinadas, mais dez do que em todo o ano de 2009. As tentativas de homicídio também subiram para 37, tendo sido 28 no ano anterior.
O relatório revela que 64 por cento do total das vítimas foram assassinadas às mãos daqueles com quem ainda mantinham uma relação, seguindo-se o grupo daqueles de quem elas já se tinham separado, ou mesmo obtido o divórcio (20 por cento). Da análise efectuada pelo OMA verifica-se que, na maioria das situações, existiam antecedentes relativamente ao crime de violência doméstica, registando-se mesmo processos-crime em curso.Em relação às tentativas de homicídio até agora identificadas, a relação é semelhante. A faixa etária onde este ano se registou maior número de homicídios (36%) foi no intervalo entre os 36 e 50 anos.
Face a estes números, torna-se obviamente urgente a necessidade de reforçar as medidas de polícia, avaliação de risco e aplicação de medidas de coação, no sentido de melhor preservar a segurança e protecção das vítimas (que são sempre na sua grande maioria mulheres), ou mesmo proceder à tipificação autónoma do crime de homicídio por violência de género, tal como defendeu este ano a UMAR.