Esmagadora maioria dos médicos dos hospitais privados são do SNS

23 de fevereiro 2024 - 16:18

Os especialistas dizem que as consequências de cerca de 80% dos médicos dos hospitais privados serem do Serviço Nacional de Saúde são que este “começa a ficar desnatado em algumas especialidades”, o que constitui uma “espécie de privatização subtil do SNS”.

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Hospital da Luz. Foto de Paulete Matos.
Hospital da Luz. Foto de Paulete Matos.

Em 2021, os hospitais privados tinham apenas 2.917 médicos com contratos, quer a tempo inteiro quer a tempo parcial, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, mas trabalhavam neles 16.595 clínicos conforme confirmava a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada.

Ou seja, eram apenas 18% os que tinham contrato, sendo os outros 82% “praticamente todos médicos do SNS” escreve esta sexta-feira o Expresso que compilou estes dados. Isto porque “os economistas do sector garantem ser residual o número de profissionais que só trabalha à tarefa, sem terem qualquer vínculo laboral ao SNS ou a um hospital privado”.

O semanário esclarece que para os anos seguintes ainda não há informação disponível do INE, sabendo-se contudo que o número de médicos a trabalhar nos hospitais privados continua a aumentar: em 2022, APHP dizia serem 18.887.

Privatização subtil do SNS”

Este órgão de comunicação social contactou vários especialistas para comentar os dados, entre os quais Julian Perelman, professor da Escola Nacional de Saúde Pública, que salienta que “o número de médicos é limitado e o SNS e os privados concorrem por esse recurso escasso. Se os médicos vão ou também estão no privado, deixam de estar ou estão menos tempo no SNS.”

Consequência óbvia: “o SNS começa a ficar desnatado em algumas especialidades e mesmo entre privados vão existir desequilíbrios, porque há unidades com mais ‘músculo’”. Isto constitui, pensa, uma “espécie de privatização subtil do SNS”.

Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, considera por sua vez que a situação só não é mais grave porque muitos médicos querem continuar a ter um pé no SNS uma vez que “os hospitais públicos têm diferenciação, doentes muito complexos, um mix de casos que interessa aos médicos manter, e investigação, que em nada é comparável com o sector privado”. Para além disso, “há a possibilidade de participar na formação de colegas, ligação à equipa e uma questão de propósito: são muitos os médicos que acreditam que o SNS é fundamental para a coesão social e que não o abandonam porque querem contribuir para o seu desenvolvimento.”

Ele vê ainda outra razão: estes médicos não confiam totalmente nos patrões da medicina privada. Pelo contrário, “o setor público dá segurança”. Exemplo disso foi que “durante a pandemia, houve médicos no privado que não trabalharam e ficaram sem receber durante meses”.