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Então o Rui Tavares sai e fica?

Contributo de Nuno Serrano

A novela Rui Tavares assume contornos de uma ópera bufa.

Argumenta Tavares que saiu do grupo parlamentar europeu do Bloco porque teve uma birra pessoal, e multiplicou-se desde então em sucessivas declarações para tentar dar corpo a essa ofensa que teria sofrido e que o teria levado, pesaroso, à triste decisão de mudar de partido. Da birra não quero cuidar, porque não me interessa. Mas há dois aspectos políticos que importa reter.

O primeiro é que Tavares se tem esforçado por demonstrar que o Bloco usa e deita fora os independentes que se juntam às suas listas. Não fora o facto de ter sido Tavares a sair pelo seu pé – com a sua birra – o argumento mereceria ponderação. Fico por aqui: o Bloco nunca pode desistir de alargar as suas listas, de cooperar com outras pessoas, de convidar independentes, de os ouvir e de manter com eles acordos de colaboração. Apesar de Tavares ter demonstrado algo do que é do mais corrompido na política, a luta pela carreira individual e pelo interesse próprio, o Bloco não pode desistir dos independentes.

Mas o segundo aspecto é o mais político. Tavares tinha um contrato com o Bloco que era também um contrato com os eleitores. Abre o programa eleitoral dessa campanha, o “Compromisso Eleitoral Europeu” que ele assinou, e lerás o seguinte logo na primeira página: “O combate europeu do Bloco de Esquerda é o mesmo que o distingue em Portugal: junta forças, propostas e alternativas com quantos se revêem na urgência de uma ruptura com as políticas e os políticos que colocaram o planeta, a Europa e o nosso país numa crise social de proporções incalculáveis”. Romper com o Bloco é romper com este contrato eleitoral para uma alternativa. E foi o que Tavares fez.

O programa recusa o Tratado de Lisboa e as pretensões proto-constitucionais da liderança europeia, e portanto apresenta a proposta de uma refundação da Europa para a democracia. Recusa as guerras e o militarismo e propõe a dissolução da Nato, e portanto não permite apoio à sua intervenção belicista. Recusa o federalismo europeu, e portanto rejeita o ministro das finanças europeu ou a ideia de um governo europeu ou outra coisa parecida. Em todas estas questões, Tavares foi mostrando que se afastava do Bloco, tanto nos seus escritos como nos seus votos. Foi-se assim afastando do contrato que fez com os eleitores.

Ora, precisamente porque respeita os independentes, o grupo europeu e a direcção do Bloco mantiveram o diálogo, procuraram entendimentos que cumprissem o programa eleitoral. Mas não se esperava que Tavares começasse a negociar com os Verdes a sua mudança de partido, como o fez laboriosamente ao longo de meses, como Cohn Bendit veio a revelar (e outras fontes da direcção dos Verdes europeus, em declarações ao Expresso). E assim se foi, diz ele que numa birra.

Agora, esta decisão coloca um problema novo. É que Tavares não foi eleito num círculo uninominal. Foi eleito numa lista, a lista do Bloco. Ninguém votou em Tavares isoladamente. Os eleitores deram o seu voto a uma lista do Bloco, com o programa do Bloco, com os candidatos do Bloco. Ao ficar com o lugar, Tavares pode ter as vantagens pessoais que ambiciona, mas é certo que passa pela vergonha da usurpação e do rompimento do contrato com os eleitores.

Devia lembrar-se do exemplo de Barros Moura, o eurodeputado que, quando saiu do PCP, abandonou o seu lugar porque não era dele, mas dos eleitores que tinham votado no PCP. Mais tarde, foi candidato pelo seu novo partido, o PS, mas tinha legitimidade e autoridade moral para o fazer, porque nem tinha enganado ninguém nem tinha posto o seu interesse pessoal à frente de um critério de respeito pela democracia.

Mas, se tudo isto é sabido, se Tavares se multiplica por aqui e por ali a atacar o Bloco e a defender o seu direito a mais três anos de mandato na carreira euro-parlamentar de um novo partido, como é que o homem ainda tem o descaramento de proclamar ser membro de uma corrente interna do Bloco e portanto querer ser actor no debate que está a decorrer dentro do Bloco?

Nuno Serrano, Coordenador da Comissão Concelhia de Santa Maria da Feira, Membro do Secretariado da Coordenadora Distrital de Aveiro e da Mesa Nacional

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